Ainda eu era
bem menina quando surgiu na televisão o primeiro anúncio aos pensos higiénicos.
Meu pai,
comunista e conservador − e não há nisto qualquer contradição, como é sabido −
não gostou nada que lhe invadissem a sala com as intimidades da carne feminina.
E, no
entanto, aquilo era apenas um pudico começo.
Já a alma, (chamemos-lhe
assim para facilidade de entendimento), e se bem me lembro, precisou de mais
tempo para despedir o pudor, abrir os seus mais remotos recantos ao público em
geral e transformar-se, como o corpo, em objecto de marketing pessoal.
Porém,
aconteceu; e falar hoje de intimidade ou recato de qualquer espécie é quase um
anacronismo. Tudo é público e partilhável.
As redes sociais,
entretanto massificadas, fornecem excelente palco a todos os “marketeiros”,
dando os mais novos primazia ao marketing da carne, enquanto os mais maduros,
por vontade ou, talvez, por necessidade, se dedicam, preferencialmente, ao da
alma.
Escrever sobre
pai, mãe, amantes, amores, desamores, paixões, gostos, depressões, êxtases,
habilidades, capacidades e outras façanhas, rende.
Se for bem
escrito, e se na escrita se perceber um intelecto cultivado, um gosto
requintado e uma vida acima das possibilidades de quem lê, melhor.
Acontece-me,
porém, e tenho que o reconhecer, que quando diariamente assisto ao descontraído
striptease da alma, com nu integral e sem ponta de constrangimento, relembro, e,
pior, experimento, o paterno incómodo que, há muitos anos e por culpa exclusiva do penso higiénico, tomou de assalto a
paternal sala.
Sinais do
tempo que passa.Imagem: Jean-Luc Godard, 1960, "À bout de souffle"