
Considero-me uma razoável leitora, mas não sei quanto livros leio por ano.
Uns são grossos e outros finos, uns são fáceis e outros não, o que torna a “coisa” certamente muito variável; além do mais, a contabilidade é ramo do saber que não me entusiasma.
Uma coisa,
porém, de há muito eu sabia – o meu conhecimento da literatura de Espanha é
altamente deficitário.
Retirando o
Vila-Matas, de quem até li duas ou três obras, o resto era um imenso buraco
negro de ignorância.
Vai daí,
pedi a uma amiga que me emprestasse três livros de escritores espanhóis. Ela
escolheu (e, logo nessa escolha, dois terços eram catalães), e emprestou-me:
“O Prémio”
de Manuel Vázquez Montalbán“Beatus Ille” de Antonio Muñoz Molina
“A Sombra do Vento” de Carlos Ruiz Zafón
Ocorre-me dizer
que pronto, está bem, tomei conhecimento.
Eles contam
muitas histórias, e eu até gosto de histórias bem contadas mas aquilo, de
facto, não é a minha praia.A minha praia é, por exemplo, ao terceiro parágrafo dum livro, topar com isto:
“ A história faz-se de anseios em
grande escala. Trata-se de um mero garoto com um desejo bem restrito, mas faz
parte de uma multidão que não cessa de engrossar, milhares de indivíduos
anónimos que emergem dos autocarros e dos comboios, pessoas em colunas
estreitas que calcorreiam a ponte giratória sobre o rio e, embora não formem
uma migração nem uma revolução, um vasto abalo de alma colectiva, trazem consigo
o calor do corpo de uma grande cidade e os seus próprios devaneios e desesperos
insignificantes, essa coisa invisível que assombra o dia – homens de chapéu de
feltro e marujos de licença, o tropel caótico dos seus pensamentos, a caminho
duma partida de basebol.”
Don DeLillo
Submundo
Sextante Editora
Cumprida uma
daquelas obrigações que inventamos para nós mesmos sem saber porquê,
congratulo-me por ali na prateleira, escolhidos por mim e à minha espera,
estarem livros de Philip Roth, Paul Auster, Lawrence Durrell e E.L. Doctorow.
Benza-a
Deus, que aquela é uma prateleira que carrega consigo a promessa de muitas
horas felizes enquanto não acontece por aqui um vasto abalo de alma colectiva nas
palavras de Don DeLillo.