Hoje em dia, nem que eu compre só um parafuso e uma porca,
sempre me perguntam se quero factura com número de contribuinte.
A cena é tão caricata quanto absurda, mas ilustra
suficientemente os nossos dias para que não nos esqueçamos, nem por uma
comprinha, que temos um governo que inventou, só para nós, a economia da
tômbola (temos pena, mas não chega para ser de casino).
A invenção é simples: a gente pede todas as facturas,
policiamo-nos uns aos outros, e o governo sorteia um carro para nós como dantes faziam
os Inválidos do Comércio ou os Bombeiros de Santa Comba quando precisavam de
fundos.
Indignidade é a palavra que me ocorre.
A grande indignidade na forma de governar.
A boa notícia é que o inverso, ou seja, a dignidade, ainda
vive por cá e encontrou respaldo nas palavras de Alexandra Lucas Coelho aquando da aceitação do prémio da Associação Portuguesa de Escritores.
Vale a pena ler um discurso que vai directo ao assunto, é
frontal nas críticas e manda às malvas o respeitinho salazarento.
"O meu país não é deste Presidente nem deste Governo", disse, e parece que o Secretário de Estado da Cultura não gostou.
Tanto pior para ele.
Não creio que o premiado romance − E a Noite Roda − mereça o Grande Prémio de Romance e Novela da
Associação Portuguesa de Escritores (aliás, nisso, estou muito bem acompanhada
pela própria autora) mas, só para ler o seu desassombrado discurso até perdoo os
estranhos equívocos da APE.