
Ainda pensei
deixar esta narrativa do meu 25 de Abril para a próxima segunda-feira, seguindo
o exemplo do Tozé Seguro que agora nunca fala a quente sobre as intervenções
quentes dos outros e dá um intervalo de uns dias como sempre me disseram que devia
ser – filha não fales a quente que depois arrependes-te mas o certo é que nunca
consegui seguir esse ensinamento deitando tudo para fora na hora e além disso
deu-me vontade de imitar uma daquelas peças de resistência que o Sttau Monteiro
fazia no defunto Diário de Lisboa nos tempos da ditadura chamadas Redacção da
Guidinha coisa que não era nada fácil de fazer porque não tinham pontos nem
vírgulas mas eu vou tentar começando por dizer que gostei de ouvir as três
primeiras meninas na Assembleia da República porque a Heloísa não
gritou muito ontem a Catarina não gritou nada porque é actriz e sabe colocar a
voz e bem podia dar umas lições à camaradinha do PC que manda umas fífias mas
se calhar está só a mudar a voz e depois já não ouvi os partidos”do arco da
governação” que sempre têm a mania de falar quando eu já vou tomar café por
isso quando voltei já estava a falar um gajo horroroso que diz que é nosso Presidente
mas deve estar totó porque um gajo tão asqueroso e desprovido de tudo nem da
colectividade do bairro pode ser
presidente mas dizia umas coisas que de tal modo excitavam os tais do arco da
actual governação que ainda pensei ver ali uma sessão de moche que não sei se é
assim que se diz e escreve mas vocês entendem e me deixou assim um bocado a
pensar que não sei se resista se desista mas chegou a família e disse bora lá a
resistir bora prá avenida e fomos e estava festivo e colorido embora neste
desfile do 25 de Abril eu me sinta sempre a desfilar numa escola de samba com
mais público nas bordas da avenida do que a desfilar mas onde o povo também
grita e ri e veste cores garridas e manda bocas e eu gosto mas ontem os
plátanos estavam bravios e arranharam-me
a garganta e os olhos mas isso não o foi o pior que aconteceu porque o pior
mesmo foi quando uma traiçoeira depressão no empedrado dos Restauradores que
estava ali só para me aborrecer me levou ao chão estendidinha como uma
lagartixa e vieram logo muitos companheiros perguntar se eu estava bem e eu
estava bem e espantada porque a minha nora Catarina conseguiu não se rir quando
viu a sogra estatelada que é a coisa que mais vontade de rir dá e se fosse eu
não conseguia mas lá sacudi a poeira e à noite ainda queria ouvir o chefe da
oposição Pacheco Pereira lá na Quadratura do Círculo mas já não consegui e apaguei cedinho atacada
por gajos que deliram e se acham Presidentes pólenes e buracos no empedrado mas
acordei fresca e aqui estou a contar garantindo que isto de querer brincar com
o português como o Sttau Monteiro fazia não é nada fácil mas é a minha forma de
homenagear aqueles que resistiram em muito piores circunstâncias do que aquelas
em que nós teremos que resistir e é com satisfação que me despeço porque para o
ano há mais.
Guidinha (com perdão do Sttau Monteiro).
PS: resolvi pôr a letra assim grande porque se não nem eu alguma vez
teria paciência para ler o que escrevi.