Sinto sempre
um misto de euforia e gratidão quando encontro alguém que consegue verbalizar o
que apenas pressenti nas catacumbas de mim.
“Pela morte de Eusébio, as televisões
subiram a um desses picos já conhecidos e mostraram, mais uma vez, a violência que são capazes de exercer
sobre a nossa vergonha. A vergonha, cuja relação com a culpa foi
estabelecida pela psicanálise freudiana, é o índice de uma intolerável
proximidade de alguém, que é sempre outro, por mais familiar que seja, em
relação à intimidade do Eu: é um mal-estar perante o sentimento do Eu mais
íntimo. Sentimos vergonha por ouvir os relatos, os comentários e as reportagens
dos jornalistas porque há algo em nós que se sente ameaçado, denudado, com tais
palavras e atitudes.”
António Guerreiro,
Estação Meteorológica, Ípsilon, 10
Janeiro 2014
Imagem:
pintura de Anselm Kiefer, pintor alemão nascido em 1945, cujas pinturas, não
raro, também provocam mal-estar, mas de sinal contrário.