
“…No momento em que a tecnologia e o capitalismo “europeus” triunfam em
escala planetária, a herança judaico-cristã, como “superestrutura ideológica”
parece ameaçada pelo assalto do pensamento “asiático” da Nova Era. O taoismo é
adequado para se tornar a ideologia hegemónica do capitalismo mundial. Uma
espécie de “budismo ocidental”, se apresenta hoje como remédio contra o stresse
da dinâmica capitalista. Ele permitiria que nos desligássemos, que
mantivéssemos a paz interior e a serenidade, e funcionaria, na realidade, como
um perfeito complemento ideológico.
Solução escapista
As pessoas não são mais capazes de se adaptarem ao ritmo do
progresso tecnológico e das transformações sociais que a acompanham. As coisas
andam muito rápido. O recurso ao taoismo ou ao budismo oferece uma saída. Em
vez de tentar se adaptar ao ritmo das transformações, é melhor renunciar e
“deixar ir”, mantendo certa distância interior em relação a essa aceleração,
que não diz respeito ao núcleo mais profundo de nosso ser. Estaríamos quase
tentados a utilizar novamente, agora, o clichê marxista de religião como “ópio
do povo”, como suplemento imaginário à miséria terrestre. O “budismo ocidental”
aparece, dessa forma, como a maneira mais eficaz de participar plenamente da
dinâmica capitalista mantendo uma aparência de saúde mental.
…
Na visão do budista, a exuberância da riqueza financeira
mundial é ilusória, apartada da realidade objetiva: o sofrimento humano
engendrado pelas transações operadas nas salas dos mercados e conselhos
administrativos invisíveis para a maioria de nós. Que melhor prova do caráter não
substancial da realidade do que uma gigantesca fortuna que pode se reduzir a
nada em poucas horas? Por que deplorar que as especulações sobre os mercados
sejam “apartadas da realidade objetiva” quando o princípio fundamental da
ontologia budista enuncia que não há “realidade objetiva”?
…
…
Por conseguinte, o que nos resta a fazer é renunciar ao
nosso desejo para adotar uma atitude de paz interior. Não é de surpreender que
um tal budismo-taoísmo possa funcionar como complemento ideológico da
globalização liberal: ele nos permite participar do esquema mantendo uma
distância interna... Capitalistas, sim, mas desapegados, zen...”