A minha
amiga Maria, chamemos-lhe assim, é professora.
Não tem
filho nem filha, nem pai nem mãe, nem marido nem mulher, nem está numa relação
como agora sói dizer-se; só tem um milhão de amigos e amigas.
Gosta de ser
professora mas também gosta de fazer muitas outras coisas na vida. À beira dos
50, o senhor ministro propôs-lhe a rescisão do contrato com uma indemnização.
Propôs a ela e a todos os outros, visto que, dizia, queria desfazer-se 6000
professores.
Maria
arrebitou a orelha e achou que talvez devesse aproveitar o momento para partir
para outras “aventuras”. Pensou, pensou muito, conversou com boa parte do tal
milhão de amigos. Desses, para aí 99% disseram que ela estava louca porque, se
era certo que não tinha ninguém a seu cargo, também era certíssimo que não
tinha rede que a amparasse na queda, no caso de tal desastre se verificar.
Uma
ínfima parte dos restantes amigos disseram que ela devia fazer o que lhe
apetecia fazer, e que estar vivo passa também por correr riscos.
A decisão
não era nada fácil.
Maria voltou a pensar, virou as ideias do avesso e tornou a
pô-las do direito, chorou, teve palpitações, “rasgou as vestes” da alma, não
dormiu, fez contas, disse que sim e logo que não, sofreu que nem uma danada e
poucos dias antes de fazer os 50 anos, em Fevereiro de 2014, e porque isso lhe
era mais vantajoso em termos de indemnização, assinou o papel dizendo ao senhor
ministro que sim senhora, lhe ia desamparar a tenda como ele tanto queria.
Ela sabia
que teria de ficar na escola até final do ano letivo, e isso era normal e
sensato.
Chegado o
fim do mês de Julho, e o início das férias, Maria despediu-se dos colegas.
Todas as angústias voltaram por esses dias e houve muito choro, ranho, beijos,
abraços, flores, discursos, despedidas sentidas e mensagens de afecto desejando
sucesso na vida futura, porque, não esqueçamos, Maria tem um milhão de amigos e
amigas também entre os colegas.
Voltou,
portanto, a ser emocionalmente muito duro mas “estava feito”.
Maria não
partiu de férias numa viagem para longínquas paragens como de costume, antes começou a
saga de contar os tostões. E também de esperar um email do patrão ou um
telefonema da escola a dizer que tudo estava pronto para a assinatura de
rescisão de contrato.
Mulher de
boa índole e carácter sem o mais pequeno aleijão, esperava confiante. Esperava
e ainda espera, só que agora já dentro da escola, a dar aulas às seis turmas
que lhe foram atribuídas.
As nossas
vidas têm vindo a desvalorizar-se há muito tempo mas, com o actual governo, o
seu valor caiu tão baixo que deixaram, sequer, de ter cotação.
Secretamente, ainda não
perdi a esperança de um dia os ver pagar por isso.
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