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segunda-feira, dezembro 17, 2012

Suportes que ele não suporta

Um bom indicador do envelhecimento é a incapacidade para ser, no mínimo, tolerante com o novo, mesmo que não o entendamos completamente ou não nos consigamos adaptar a ele.

Essa é uma das razões por que a entrevista que Vargas Liosa dá ao Ípsilon da passada sexta-feira é tão deprimente.
Apocalíptico em sentido lato, reserva para si e para a literatura o papel de  salvadores do pensamento e da escrita, mas apenas, e repito APENAS, no formato de livro.

Llosa afirma : se os tablets e os ecrãs roubarem todo o protagonismo ao livro, assistiremos a um extraordinário empobrecimento da linguagem, haverá uma deterioração da comunicação e da racionalidade, as máquinas passarão a pensar por nossa conta e isso poderá trazer consequências gravíssimas, nomeadamente o desaparecimento da liberdade”.

Um susto, estas afirmações (reiteradas), vindas dum Nobel da Literatura que só tem 76 anos.

No que me diz respeito, gosto de livros. Gosto mesmo muito. E, apesar de reconhecer o prazer quase sensual de os manusear, cheirar etc. não fujo do digital como o diabo foge da cruz. Há livros que quero ter fisicamente ao pé de mim. Sempre. Esses, quero-os em papel. Há muitos outros que leio e esqueço. São os que podem vir em suporte digital − um dia vou apagá-los para dar lugar a outros. Esta mania de que as coisas não podem coexistir, nunca a entendi, até porque o passar do tempo nos vai mostrando que é o contrário que é verdadeiro.

Vargas Llosa ficou, precocemente, velho.
Compare-se a sua postura face ao ecrã com a da minha mãe, que no dia dos seus 86 anos recebeu livros, mas também foi à internet descobrir um truque para fazer crescer as farófias.
Quem é mais novo, quem é?
E, já agora, quem parece mais inteligente e disponível para a vida?

PS: sobre o mesmo assunto, recomendo o post de Rui Bebiano no seu blog A Terceira Noite

quinta-feira, novembro 22, 2012

"Uma história de amor e trevas"

Face ao recrudescimento do conflito israelo-palestiniano, e apesar do cessar-fogo anunciado, talvez seja boa altura para relembrar aqui um magnífico livro de Amos Oz − “Uma história de amor e trevas”.

Misto de autobiografia e romance, o livro leva-nos pelos caminhos da criação do Estado de Israel, da diáspora judaica à história do sionismo, sempre através do olhar do menino que se vai fazendo homem e criando a sua identidade a par da do seu país.

É uma bela história, comovente, trágica e, por vezes divertida, contada por um escritor (eterno candidato ao Nobel, mais um) que sempre se opôs ao fanatismo, e que afirma que a luta lá, como noutros lugares, não é entre judeus e árabes, mas entre fanatismo e tolerância.

Posso até estar de acordo com ele, mas também  nunca me poderei esquecer das inúmeras resoluções da ONU que Israel nunca cumpriu, bem como da desproporção de meios e danos que sempre se verifica de cada um dos lados do conflito e que tão bem conhecemos
Um belo livro que, em 2004, ganhou, entre outros, o Prémio France Culture.


Uma história de amor e trevas
Amos Oz

Asa Editores, S.A., 2007



quarta-feira, outubro 03, 2012

Que se lixe a troika – um livro

FOME, de Knut Hamsun (1859-1952), Prémio Nobel da Literatura em 1920, é um livro soberbo. Na edição da Cavalo de Ferro, tem um longo prefácio de Paul Auster, que quase me fez desistir da leitura; não por ser mau, ao contrário, mas por achar que me ia mete com um louco, e estar farta deles.

Romance quase sem história nem personagens (apenas o narrador) conta-nos os dias difíceis dum aspirante a escritor na cidade de Kristiania, actual Oslo.

Na mais negra miséria, o jovem deambula pela cidade, para cima e para baixo, ou em círculos, escreve, ou tenta escrever, gela e alucina quando possuído pela fome de vários dias, descrita duma maneira tão vívida que dá medo.

As suas atitudes desconcertantes, pautadas por juízos pouco lógicos para quem está em tão terrível situação, fazem-nos, por vezes, pensar que está alienado, que busca a morte. Falso.

O instinto de sobrevivência acaba por falar mais alto, talvez porque o narrador tenha terminado a busca de identidade, e o teste aos limites, através da mais dolorosa das experiências físicas – a fome.

Livro publicado em 1890, não podia ser mais moderno; e o facto de o homem ter sido simpatizante nazi, aquando da ocupação da Noruega, não retira nem um pouco de valor à obra.

sexta-feira, agosto 24, 2012

Franny e Zooey

Ao contrário de ilustres intelectuais americanos (Norman Mailer, George Steiner, Joan Didion, entre outros), eu gosto dos livros de J.D. Salinger.

Devo pertencer ao tal grupo dos leitores amadores no mundo – alguém que simplesmente leia por ler.

J.D. Salinger não escreveu muito, mas foi amado por milhões de leitores em todo o mundo e criticado pelos seus pares, acusado de ter uma escrita “menor”, de nada exigir aos seus leitores, de superficialidade, de ser zen, de querer ensinar como se deve viver, etc.

Ora, eu já estou velha para que me ensinem a viver, e por isso sou fácil de contentar com ritmo e diálogos brilhantes, humor e esperança que, no fim, persiste.

Era nova quando li e me encantei com “Uma agulha no palheiro”, actualmente chamado “À espera no centeio”; sou agora muito menos nova e voltei a encantar-me com “Franny e Zooey”.

O livro está dividido em duas partes e nele, devido à crise existencial que Franny atravessa, Salinger constrói, nos diálogos com o seu irmão Zooey, uma narrativa sedutora sobre religião, sabedoria, procura de si e da felicidade.

À luz dos grandes crânios americanos, de que também gosto, serei fraquinha de espírito e parca de exigência mas, paciência, gostei muito e recomendo.
 
Franny e Zooey
J.D. Salinger
Ed. Quetzal, 2011
 

sexta-feira, agosto 10, 2012

Uma grande ilusão?

Europa, Europa, Europa.

Agora que o velho continente se apresenta incontestavelmente velho e em perigo de colapso total; agora que o velho continente é governado por gente que não viveu a guerra, que não tem memória (na melhor das hipóteses) ou que nunca estudou história (na pior), aí está este ensaio de 140 páginas escrito por Tony Judt em 1996 sobre a Europa e a construção europeia.

“Uma grande ilusão?” – Um ensaio sobre a Europa, é factual e sem romantismos ideológicos, fácil de ler, quase didáctico.

Excelente para ser lido por quem sabe mas não se importa de recordar, mas sobretudo por quem não sabe mas gostava de saber como tudo começou e se desenrolou até 1996.

Não se busquem perspetivas sobre a situação actual, porque o euro (o centro do furacão) ainda nem sequer tinha nascido, mas não se pode compreender totalmente o presente sem termos uma luz sobre o passado.

Uma óptima leitura para quem também gosta de não-ficção.

Edições 70, Junho 1012

quinta-feira, julho 19, 2012

Uma estranha mania

Chegando a esta altura do ano, os jornais têm o hábito de nos recomendar livros para férias. Nunca percebi o que são livros para férias. Livros são livros e pronto. No máximo tomo atenção ao peso que terei de carregar para a praia e, se não estiver mortinha por ler um em especial, levo o mais fininho. Questão meramente prática e defensiva, portanto.

Para ler em qualquer tempo, lugar ou suporte, recomendo estes dois:

“ A Sorte de Jim” (Quetzal Editores) é um livro divertido do grande escritor inglês Kingsley Amis.
O tema muito explorado da vida dos professores nas Universidades inglesas com o seu mau-carácter, grandes egos, equívocos, maquinações, favorecimentos, amores e traições etc., é aqui tratado com graça e muito talento.

“ O Legado de Humboldt” (Quetzal Editores) é um monumento à literatura, erguido pelo grande, enorme, Saul Bellow. Mais de 500 páginas densas e poderosas, para quem não tiver medo de muitas letras, algum esforço, muitas ideias a assimilar, grandezas e misérias dos humanos.

A propósito deste livro houve aqui uma divertida alfinetada da crítica Ana Cristina Leonardo sobre o que foi escrito aqui pelo crítico Eduardo Pitta.

E agora, vou. Levo comigo “Goodbye Columbus” do meu muito estimado Philip Roth, que nunca me desilude; também não será desta, tenho a certeza.

VOLTO JÁ!

terça-feira, abril 03, 2012

"Vieram como andorinhas"

As minhas leituras nunca se tinham cruzado com William Maxwell; calhou agora, e só posso lamentar que tenha sido agora.
Em menos de 130 páginas o autor aborda, em “Vieram como andorinhas”, a vida duma família americana no pós-1ª Guerra Mundial e no momento da pandemia de gripe espanhola que matou milhões de pessoas em todo o mundo.
Uma mãe, um pai, dois filhos rapazes e um ou outro elemento colateral da família. A história conta-se dando a vez a cada um dos filhos e ao pai.

Bunny, o filho mais novo é tão sensível e tem uma tão forte ligação à mãe que nos lembra Proust. Robert, o mais velho mas ainda um pré-adolescente, sofreu um acidente e tem uma perna de pau. O pai, James, é um pai à maneira da época – poucas falas, um tanto temido pelos filhos, nada de exprimir afetos.

Relacionamo-nos sobretudo com os filhos e, quando ouvimos Bunny achamos Robert arrogante e agressivo; quando ouvimos Robert achamos Bunny mimado e manipulador.

Quando a mãe, epicentro quase mudo da narrativa, morre, encontramos James confrontado consigo mesmo.
O que acontece quando o elemento aglutinador da família e dos seus afetos desaparece?
É a pergunta que fica no ar com o equilíbrio perfeito da simplicidade.
De mestre.

Sextante Editora, 2011




segunda-feira, fevereiro 20, 2012

"O Sentido do Fim"


“Quantas vezes contamos a história da nossa vida?
Quantas vezes adaptamos, embelezamos, fazemos cortes matreiros? E, quanto mais a vida avança, menos são os que à nossa volta desafiam o nosso relato, para nos lembrar que a nossa vida não é a nossa vida, é só a história que contámos sobre a nossa vida. Que contámos aos outros mas – principalmente – a nós próprios”





“O Sentido do Fim”
Julian Barnes
Ed. Quetzal
pag. 100

Ao saber que “O Sentido do Fim” de Julian Barnes ganhou o Man Booker Prize 2011, não se estranha, mesmo não conhecendo a concorrência.

Através da história de vida de Tony Webster, Julian Barnes coloca-nos perante questões essenciais - como construímos as nossas memórias, qual o seu grau de veracidade, o que nos escapou, o que não quisemos saber, o que preferimos esquecer, o que presumimos, como escolhemos viver a nossa vida, onde nos perdemos daquilo que eramos na juventude, o que manipulámos?

Servidas por uma escrita prodigiosa, estas 152 páginas lêem-se dum rufo, ainda que nelas haja muito para meditar e muitos parágrafos para reler.
Grande literatura, sim.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

" Conversas n' A Catedral"

Levei anos a resistir à leitura de algum livro de Mário Vargas Llosa.
Certo é que podemos gostar do artista e não do homem (ou mulher) e vice-versa. Neste caso, quase tudo me desagradava no homem: o seu ar de galã sul-americano, a sua arrogância intelectual, o programa neoliberal com que se apresentou às eleições para presidente do Peru em 1990

Finalmente decidi-me pelo “Conversas n’ A Catedral”, um calhamaço de 630 páginas, e não me arrependi, embora no início tenha tido a sensação de que o autor estava a dizer-me: leitora, tu és burra, vou-te provar que és burra, vais desistir desta minha magnífica obra.

Abusando claramente dos seus vastos recursos estilísticos, usa desnorteantes diálogos intercalados (cada linha uma pessoa, um assunto, um tempo), discurso indireto livre e solilóquios em simultâneo; contudo, este desbragamento estilístico vai-se moderando, e no final ficamos com a sensação que este é um dos grandes romances do século xx.

Em “Conversas n’ A Catedral”, conta-se a história de Santiago Zavala,
que viveu a ditadura de Manuel Odría entre 1948 a 1956 no Peru, e traça-se um vasto retrato do país nessa época.
Logo na primeira página, Llosa escreve:

Ele era como o Peru, Zavalita, a certa altura, tinha-se fodido. Pensa: em que altura?

Com uma pequena alteração geográfica, esta é a pergunta que muitos de nós, portugueses, estamos a fazer neste momento.


sexta-feira, dezembro 16, 2011

"O Chalet da Memória"

“ A seriedade moral na vida pública é como a pornografia, difícil de descrever mas imediatamente identificável quando a vemos.”, diz Tony Judt neste livrinho.  Já imobilizado, vai abrindo gavetas da sua memória e dita pequenos ensaios sobre o que o que viveu e pensou. Os temas são tão variados como: Maio 68, Comida, Crise da Meia-idade; Kibbutz, Cambridge ou Comboios.

Delicioso, para maiores de 50.


quarta-feira, novembro 30, 2011

"O Retorno"

Ler ”O Retorno” de Dulce Maria Cardoso, lembrou-me a leitura de “As Cruzadas Vistas pelos Árabes” de Amin Maalouf; trata-se de ver o outro lado da história.

Aos meus olhos, em 1975, os retornados eram uns seres estranhos, ora humildes ora arrogantes, achando que tinham direito a coisas que, nós por cá, não tínhamos ainda, sequer, sonhado como direito nenhum; eram pobres e mal-agradecidos, vinham de explorar pretos e achavam que tudo lhes era devido. Quando me diziam que eles tinham ficado sem nada, encolhia os ombros com a frieza de quem ainda não tinha tido quase nada, e achava que o que eles tinham perdido lá também não era deles. Além do mais, para os defender, e aos seus haveres, a minha geração tinha sido sujeita a participar numa guerra ignóbil em terras longínquas onde os soldados portugueses nem sequer eram bem vistos pelos colonos.
Sinceramente, nos meus 20 anos revolucionários, o seu destino era-me indiferente. Eles eram exploradores de pretos, e ponto final.

Nada como a passagem dos anos, o distanciamento e um bom livro para nos fazer revisitar o que já fomos e recolocar as coisas no seu devido lugar.
O livro de Dulce Maria Cardoso é magnífico na sua capacidade de nos “meter” dentro da dor, da dúvida e medo do futuro daquelas pessoas, às vezes tão sofridas como nós por cá.
Pode dizer-se que tudo acabou bem e, aos poucos, fomos assimilando 600 000 almas que aqui chegaram de rompante exigindo casa, trabalho, alimentação, roupa, ensino, cuidados de saúde, etc.

Dessa enorme massa humana tive contacto próximo apenas com uma pessoa – uma senhora meiga casada com um homem ácido, que aceitava as boleias que lhe oferecia com um misto de agrado e estranheza, próprio de quem nada tem, nada espera, mas sabe, com enorme dignidade, aceitar aquilo que lhe é oferecido.
Aurora, de sua graça, fez com que eu guardasse, por fim, uma memória doce e maternal do único retornado que entrou na minha esfera privada.
O livro de Dulce Maria Cardoso é o livro que nos faltava.

quarta-feira, novembro 09, 2011

Bilhar às Nove e Meia

O livro Bilhar às Nove e Meia, de Heinrich Böll (Colónia 1917-1985, Prémio Nobel da Literatura em 1972), não é um livro simples nem de fácil leitura, mas merece todo o esforço que é pedido ao leitor.

Denso e polifónico, narra a história de três gerações da família Faehmel, antes, durante e depois da guerra. Ninguém ali é completamente bom ou mau, culpado ou inocente, santo ou pecador, mas todos são desiludidos.

Todos contam a sua história desses anos em que a família foi feita em frangalhos, todos tentam fazer as pazes consigo mesmos, com o país e com a família em si. Também para todos a guerra trouxe um mundo novo em que cada um procura o seu novo lugar.

Dotado duma escrita moderna, em que todos falam ao mesmo tempo e em vários tempos, o livro não desilude - pelo contrário - quem chegar ao fim, mas nunca facilita a caminhada do leitor.

sexta-feira, setembro 30, 2011

“Apenas Miúdos”

“Apenas Miúdos” de Patti Smith, é um enorme fresco sobre a cidade de Nova Iorque dos anos 1960/1970 e os seus artistas. É também a história do crescimento duma rapariga de Chicago, ingénua e higiénica, que se transforma num ícone dessa geração.
“Apenas Miúdos” é ainda, e talvez sobretudo, a história da relação de Patti Smith e Robert Mapplethorpe, história intensa de amizade e amor, no mais lato sentido do termo, do seu crescimento em conjunto, quando tomavam conta um do outro e viviam numa sintonia rara.
Um bom livro, mas apenas para quem tem memórias e referências desse tempo e gosta de as ver contadas na primeira pessoa.

sexta-feira, setembro 09, 2011

"O Factor Humano"

Ao contrário do que se pode levianamente pensar, “O Factor Humano” não é mais um livro de espionagem de Graham Greene. Antes de mais porque Graham Greene não é mais um escritor – é um grande escritor, e depois, porque não é um livro de espionagem – é um romance sobre homens que são espiões. Daí o título ser tão apropriado.
Tendo por pano de fundo o MI6 e a fria, cinzenta e brumosa cidade de Londres nos anos 1970, portanto durante a guerra fria, Greene vai desenrolando as histórias desses homens que são espiões – suas fragilidades, coragem, personalidades, afectos, solidão, sonhos.
Os caminhos que a vida de cada um de nós leva, são, frequentemente, fruto do acaso e do amor, e isso é-nos soberbamente mostrado através de Castle, o principal personagem. Este, tendo-se apaixonado por uma negra na África do Sul no tempo do apartheid, aceita ajuda dum comunista para a tirar do país e, como retribuição e por amizade, transforma-se num agente duplo que passa informações para Moscovo através duma complicada teia de contactos quase todos desconhecidos.
A descoberta da fuga de informações vai levar Castle para um fim que, não sendo o fim da vida, é o fim da vida sonhada, e à amputação dos laços afectivos pelos quais correu tantos riscos.
Foi por amor que Castle se tornou agente duplo e não por qualquer convicção política.
Assim são os homens. Assim escreve um grande senhor das letras europeias do século xx.

“O Factor Humano”
Graham Greene
Tradução – Maria João Freire de Andrade
Casa das Letras
2ª edição, Março 2011

sexta-feira, agosto 05, 2011

Escalas do Levante

Quando me apetece um livro que me agarre desde a primeira frase e me envolta até ao fim, posso escolher vários autores, mas um valor seguro que nunca me desilude é Amin Maalouf.
Grande escritor e superlativo contador de histórias, libanês por nascimento e francês por adopção, faz como nenhum a ligação histórica e cultural do oriente/ocidente. As suas personagens corajosas, às vezes trágicas, são carregadas de humanidade e em todas podemos encontrar um pouco de nós
Neste livro, na página 170, encontrei uma frase do personagem principal que sabe bem ler nos tempos que vivemos – Mesmo quando não se vê luz ao fundo do túnel, é preciso continuar a acreditar que há uma luz, e que ela surgirá.
Quem não gosta duma boa história, ainda por cima bem contada?
Recomenda-se:
Escalas do Levante
Amin Maalouf
Difel

terça-feira, agosto 02, 2011

Liberdade

Quando se pretende vender alguma coisa com o artigo O em vez de UM, geralmente é conversa manifestamente exagerada.
Vem isto a propósito do romance Liberdade de Jonathan Franzen, lançado com grande estrondo em Abril deste ano. Quando em 2001 li Correcções do mesmo autor, achei que era um bom romance mas nunca mais ouvi falar em Franzen. Percebo agora que levou nove anos a publicar de novo e talvez com a pretensão de escrever O grande romance americano do século XXI.
Conseguiu-o mas apenas em tamanho; quase 700 páginas com a vida duma família americana na era Bush. Se tivesse menos 300 páginas não se teria perdido nada, ouso até pensar que seria mais difícil de realizar e mais estimulante para o leitor.
Lê-se com agrado mas está longe de ser um livro que nos fique na memória por muito tempo. Quanto a mim, também não cumpre o objectivo de Franzen em tocar o que, numa entrevista ao jornal brasileiro O Globo, classifica como o leitor ideal - alguém que “anda por aí sentindo que todo mundo parece saber o que fazer, menos ele, que todos estão seguros enquanto ele está cheio de conflitos, e que ninguém parece incomodado com as coisas que o incomodam”.
Um leitor assim sabe, mesmo sem ser cínico, que os finais felizes como o que o autor escolheu geralmente só acontecem nos filmes de domingo à tarde.
Mas, mesmo assim, vale a pena ler.

Ed. D. Quixote, 2011

segunda-feira, julho 25, 2011

Trilhos (ou o amor aos livros)

No meu caso, não há maneira mais rápida de fazer amigos que encontrar alguém que ame os livros; será assunto encerrado se amarmos os mesmos livros.
Começamos por os referir, depois trocamo-los, e por fim comentamo-los com aquele sorriso largo e cúmplice de puro deleite partilhado.
Recentemente, uma amiga assim ofereceu-me um livro que já me tinha emprestado há uns bons anos. Não foi um livro igual àquele, não, foi o mesmo livro, aquele cujas páginas eu já tinha percorrido bem envolvida na escrita, na aventura, na “moral da história”.
Pego-lhe, manuseio-o já bem usado, cheiro-o, acho que o acaricio até, olho de novo as palavras manuscritas de fresco e, nesse exacto momento, sou feliz.
Tem por título Trilhos – No deserto australiano com quatro camelos e um cão.
A autora é Robyn Davidson, foi escrito em 1980 e publicado em Portugal pela Quetzal em 1999.
Sobre ele Doris Lessing escreveu:
“Um livro forte e estimulante escrito por uma jovem e original escritora (…). Este livro figurará entre os melhores livros de exploração e viagem e, como eles, é um testemunho de auto-descoberta e auto-avaliação”.
É isso mesmo.
Talvez ainda se encontre por aí, não é certo, mas agora eu tenho-o.
A Paula ofereceu-mo.

terça-feira, julho 12, 2011

Dublinesca

Há livros que compramos sem entusiasmo, vá-se lá saber porquê. Pegamos-lhes também sem entusiasmo e, quando assim é, muito raramente eles nos conseguem agarrar.
Foi o que me aconteceu com Dublinesca de Enrique Vila-Matas, lido durante um ror de tempo mais por teimosia do que por cumplicidade.
Ele é considerado o grande autor contemporâneo espanhol (ou catalão), e esta já é a segunda vez que faço o esforço para gostar dos seus livros, mas agora acho que já chega.
O resumo do livro apresentado pelo editor está por toda a parte para quem quiser ter uma ideia sobre o seu conteúdo, e nem vale a pena falar dele aqui, mas vale a pena relembrar algumas frases proferidas pelo autor numa entrevista concedida a José Riço Direitinho no ípsilon  de 23/02/2011..

"a situação actual da literatura não poderia ser mais lamentável".
“O Auster decidiu que esse passado em comum nos unia. Creio que decidiu isso porque tinha vontade de encontrar um motivo razoável para começar a ser meu amigo.”
“O curioso é que no final do meu romance a pobre literatura acaba por estar mais viva do que nunca, como se o seu funeral em Dublin - ou o meu romance - a tivessem trazido de novo à vida, a tivessem ressuscitado.”
Ora aí está um homem/escritor contente consigo e que se tem em alta consideração; pois se até o Paul Auster quis à força encontrar um motivo para ser seu amigo e se o seu romance ressuscitou a literatura...

E acrescenta também:
"Não sabemos se a literatura está em crise, mas a crise do juízo literário salta à vista."
Não tenho dúvidas – é esse o mal de que padeço.

sexta-feira, julho 01, 2011

Uma imagem vale mais que mil palavras


Esta imagem de satélite foi roubada ao blogue A Terceira Noite por a considerar tão impressionante. Integra, a preto e branco e com muito má qualidade, o livro A Longa Noite de um Povo, A vida na Coreia do Norte da jornalista Barbara Demick, e mostra a região da Coreia do Norte mergulhada na escuridão, ao lado da Coreia do Sul e do Japão imersos em luz (talvez até demasiada).
Apesar de a leitura do livro ainda estar no começo, parece ser um bom documento sobre um país de que, afinal, sabemos tão pouco.

A Longa Noite de um Povo
A vida na Coreia do Norte
Barbara Demick
Temas e Debates/Círculo de Leitores

O livro foi vencedor do prémio Samuel Johnson 2010, a mais importante distinção britânica para a não-ficção.

sexta-feira, abril 22, 2011

"Ao Cair da Noite"

Se este último livro de Michael Cunningham, Ao Cair da Noite, tivesse sido escrito antes de 2008, estaria tudo bem; sendo um livro de 2010 deixa um travo de “falta”, como se o mundo não tivesse mudado dramaticamente para tanta gente do tipo que, exactamente, constitui a matéria-prima para este livro.
Classe média alta, Manhattan, um galerista de arte contemporânea, uma diretora de revista de arte, um casal acomodado nos seus mais de 20 anos de casamento, um irmão (dela) problemático, belo, inteligente, drogado, protegido pelas irmãs, cuja chegada vem alterar as rotinas assim-assim do casal, e, no fundo, uma crise de meia-idade.
As crises de meia-idade, por norma, levam a que se questione a identidade, e é o que aqui acontece chegando, inclusive, à crise de identidade sexual do protagonista, Peter
A crise de Peter é igual a todas as outras - descobre-se que o mundo continuará igualzinho para além de nós, percebe-se a beleza perdida, reaviva-se o desejo de a possuir, o desejo de (ainda) mudar, de poder recomeçar, e surge o primeiro confronto com a velhice que vem vindo, para no fim, geralmente, tudo ficar na mesma
Com uma escrita moderna e eficaz, o livro é quase, sem o ser, um monólogo interior do protagonista, que poder ser o monólogo de cada um de nós na sua crise de meia-idade.
Contudo, parece que o mundo não abanou em 2008, que ninguém se interrogou sobre essas mudanças violentas e que cada um continuou apenas entregue à meditação sobre o seu umbigo.
Se as questões abordadas são de sempre, elas também sofrem cambiantes pelas circunstâncias que as rodeiam. É isso que, quanto a mim, “falta” no livro de Cunningham.


Ao Cair da Noite
Michael Cunningham
Ed. Gradiva, 2010