Aos meus olhos, em 1975, os retornados eram uns seres estranhos, ora humildes ora arrogantes, achando que tinham direito a coisas que, nós por cá, não tínhamos ainda, sequer, sonhado como direito nenhum; eram pobres e mal-agradecidos, vinham de explorar pretos e achavam que tudo lhes era devido. Quando me diziam que eles tinham ficado sem nada, encolhia os ombros com a frieza de quem ainda não tinha tido quase nada, e achava que o que eles tinham perdido lá também não era deles. Além do mais, para os defender, e aos seus haveres, a minha geração tinha sido sujeita a participar numa guerra ignóbil em terras longínquas onde os soldados portugueses nem sequer eram bem vistos pelos colonos.
Sinceramente, nos meus 20 anos revolucionários, o seu destino era-me indiferente. Eles eram exploradores de pretos, e ponto final.
Nada como a passagem dos anos, o distanciamento e um bom livro para nos fazer revisitar o que já fomos e recolocar as coisas no seu devido lugar.
O livro de Dulce Maria Cardoso é magnífico na sua capacidade de nos “meter” dentro da dor, da dúvida e medo do futuro daquelas pessoas, às vezes tão sofridas como nós por cá.Pode dizer-se que tudo acabou bem e, aos poucos, fomos assimilando 600 000 almas que aqui chegaram de rompante exigindo casa, trabalho, alimentação, roupa, ensino, cuidados de saúde, etc.
Dessa enorme massa humana tive contacto próximo apenas com uma pessoa – uma senhora meiga casada com um homem ácido, que aceitava as boleias que lhe oferecia com um misto de agrado e estranheza, próprio de quem nada tem, nada espera, mas sabe, com enorme dignidade, aceitar aquilo que lhe é oferecido.
Aurora, de sua graça, fez com que eu guardasse, por fim, uma memória doce e maternal do único retornado que entrou na minha esfera privada.O livro de Dulce Maria Cardoso é o livro que nos faltava.
Também sou uma :)
ResponderEliminarE quero muito ler o livro.
~CC~
Tenho a certeza que vai gostar, CC.
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