sexta-feira, janeiro 04, 2013

Sem nome

Há dias em que leio as notícias e tenho a sensação de estar a entrar num túnel do tempo que me conduzirá à idade das trevas.

Foi assim quando li que os taliban estão a impedir (a tiro) a vacinação contra a poliomielite de 240 000 crianças no Paquistão.

Porém, das notícias recentes, a mais nauseante, a que dá volta ao estômago pela barbaridade do acto, foi a da violação e posterior morte da jovem indiana cujo nome não foi revelado (na Índia, pelos vistos, uma mulher não tem identidade própria nem depois de morta).

Habituados que estamos a saber que, numa grande parte do mundo, nascer mulher é uma maldição e, sendo-o, ousar lutar por direitos básicos é um acto de coragem com consequente perigo de vida, mesmo assim, a ferocidade do que aconteceu naquele autocarro não pode ser ignorada por se passar longe, ou branqueada em nome duma “cultura”.

Daí que a solidariedade com as manifestações de milhares de mulheres indianas que reclamam, tão só, segurança para andar na rua, seja um mero imperativo moral.

Porém, os apóstolos do regresso às trevas estão por todo o lado, como se constata num artigo de Naomi Wolf, no Público, em que a autora escreve que em Itália está a haver um debate sobre “se o vestuário e o comportamento das mulheres encorajam a violação” e “até mesmo na Suécia, os violadores que conhecem as mulheres que atacam não são processados, porque as vítimas não são vistas como “meninas bem-comportadas”.

Cuidemo-nos, pois. Cuidemos deste legado das nossas avós, porque os direitos que temos hoje não nos foram dados, antes foram conquistados a pulso, − o poder (aqui congregado nos homens), mas, de facto, qualquer poder, nunca dá nada, apenas se conforma e cede.

O que temos hoje pode desaparecer a qualquer momento; como o último ano português se encarregou de nos mostra muito claramente, não há direitos adquiridos. Sobretudo para quem, a cada momento, for o elo mais fraco.


 

1 comentário:

  1. Ser-se mulher é uma luta constante... por mais que digam que as mentalidades mudaram. A notícia da menina indiana dá-me completamente a volta ao estômago e pelo que percebi apenas teve mais atenção do que outras raparigas que também sofreram violações em transportes públicos. Tenho um vizinho indiano muçulmano e ele comentou esta notícia dizendo "ainda acham esquisito que os meus familiares não deixem sair uma mulher da família à rua sem um acompanhante masculino?" .Pois, assim sendo já não acho.

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