Movida pela mesma raiva e paixão, mas certamente sem a mesma capacidade de as pôr no papel, peço, contudo, licença para entrar, opinar e parcialmente discordar.
Discordo quando diz que o povo sábio não se vai deixar governar por "tão má casta”; ao contrário, e como me parece evidente, já deixou e vai continuar a deixar.
E a culpa é do povo sábio mas comodista.
Eu, que venho do tempo da ditadura, sempre achei natural que fossem poucos a lutar contra ela, dado o elevado preço a pagar. Vi o 25 de Abril, o PREC, o 25 de Novembro, e com eles o sábio povo sempre a participar, quer nos partidos, quer nas organizações sindicais, quer nessa miríade de outras organizações que foram nascendo por todo o país para resolver os problemas de todos e cada um.
Depois, pouco a pouco, o sábio povo foi percebendo que a política era “um lugar estranho”, cheio de golpes baixos e altos, paixões e traições, lutas sem regras pelo poder, mentiras e meias-verdades, rasteiras e caneladas sem castigo, enfim, um lugar mais ou menos sujo, e o sábio povo foi saindo de fininho, deixando a política a “tão má casta”.
Incluo-me nesse sábio povo que, depois de tudo viver no meio da rua, foi para casa.
Pessoalmente, criei filhos, procurei que entendessem a importância da política, mas nunca dei o exemplo de participação na “coisa pública”. E devia ter dado porque o exemplo é fundamental. No dia 11 de Fevereiro de 2003, pus o almoço na mesa mais cedo e informei que ia à manifestação contra a guerra do Iraque, que também ia fazer-se na minha pequena cidade. Saí de casa sozinha, mas nunca vou esquecer a alegria que foi, passada meia hora, ver surgir os meus filhos, colocarem-se cada um do meu lado e marcharmos juntos sem mais conversa. Esse foi o exemplo que eu devia ter dado mais vezes.
Sim, senhor Luís, nós deixámos tudo entregue aos novos-ricos, patos-bravos e chico-espertos porque não nos queríamos “sujar” na políticas. Eles aproveitaram e encheram tudo de merda sem que um único salpico caísse sobre a nossa vida tão limpa
Por isso lhe digo: em última análise a culpa é nossa, a culpa é do sábio e higiénico povo a que pertencemos.
E agora, se me permite, vou andando, senhor Luís. Com respeito e amizade, deixo-o com uma velha máxima portuguesa - melhores dias virão, mesmo que a gente ainda tenha que se sujar um pouco.
m,
ResponderEliminarO "não se deixar governar" vem da frase mais que batida, e também presente no texto, "um povo que não se governa nem deixa governar".
Esta frase é usada na política para atirar as culpas da má governação para cima dos governados. O que digo no texto é que esse povo, por ser sábio, governa-se, a prova é a sua sobrevivência como Nação quase milenar, apesar de ter tido ao longo desses séculos, com algumas ilustres excepções, tão mediocres governantes. É pena que se tenha acomodado. Falta-nos a educação para a participação. O stado da política que agora observamos é deve-se às desistências.
M, tem razão quando diz que o povo sábio está comodista. Vai pagar isso, aliás, já o está a pagar. Talvez (o povo) comece agora a entender que deixando de se envolver fica sujeito à vontade dos outros.
Abr. agradecido pelo seu diálogo.