Ontem
percebi que é já para a semana que faço anos outra vez.
“Melhor do que falecer”, pensei, mas
também pensei na fantástica força que continua a ter a narrativa-maravilha
sobre o envelhecimento.
Por toda a
parte se ouve e lê o mesmo discurso, sempre acompanhado das receitas que nos
farão morrer saudáveis e viver o envelhecimento como uma parte maravilhosa da vida,
cheia de beleza, encantos mil, etc. e tal.
Por mim, não
escondo, detesto envelhecer, mas a toda a hora estou a levar com o discurso
oficial e obrigatório, sobretudo para as mulheres:
− Continue
activa, a menopausa, vendo bem, nem existe, a síndrome do ninho vazio só ataca
as outras, as fracas, mantenha a cabeça activa e verá que também o corpo se
manterá em óptimo estado de conservação sem necessidade de usar formol, os
filhos partem, claro, porque não são nossos, são do mundo, dizem.
Segue-se a
receita:
Vá ao
ginásio, saia com as amigas, leia um livro, vá ao cinema, mantenha-se
informada, faça palavras cruzadas, arranje um hobbie.
Os mais
novos acreditam piamente nisto; tanto que até desprezam a tal sabedoria que vem
com a idade no caso de ela ousar responder-lhes que não é bem assim, e que
envelhecer é uma merda.
Confesso que
tempos houve em que também eu acreditei no discurso maravilha, mas agora,
quando levo com ele em cima, tenho sempre vontade de perguntar se me garantem
que lendo um livro a cintura não engrossa, se for ao ginásio as bochechas não
descaem, se sair com as amigas não tenho cataratas, se me mantiver informada as
articulações não emperram, se fizer palavras cruzadas sou capaz de me voltar a
lembrar das linhas de caminho-de-ferro de Angola, e, se até concordo que os
filhos não são nossos, ainda gostava que me ensinassem como se abraça um filho
no Skipe. Qual a app? Onde se compra?
Tretas,
lérias, patranhas, cantigas, paleio fiado, habilidades, trampolinices
discursivas que põem a velharia toda numa de fake it till you make it.
Lamentavelmente,
comigo não dá; por mais que me impinjam a narrativa-maravilha continuo a achar
que envelhecer é apenas, e exclusivamente, melhor do que falecer.
Mau feitio,
claro.
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