Há dias, estando eu no Lidl, parei um pouco naquela zona em que o supermercado tem roupa e outras tralhas muito alemãs, isto é, muito “forte e feio”.
De súbito,
no meio do silêncio, (sim, porque aquele é supermercado silencioso, sem música
ambiente ou outras parvoíces sulistas), oiço a voz duma mulher, do outro lado
da banca, a dizer:
- Jô, tens
aí os teus óculos? Empresta lá!
Olhei e vi
uma mulher alta, bonita, bem arranjada, na casa dos quarenta.
Imediatamente
após o pedido, e sem nunca levantou os olhos do objecto pesquisado (no caso uns
forros para bancos do automóvel), a amiga de Jô acrescenta de si para si, mas
com decibéis suficientes para que todos a pudéssemos ouvir, e com total à
vontade no solilóquio:
- Não vejo
um cagalhão!
Ora, eu
tinha acabado de ler sobre aquele estudo americano (mais um) que afirma que “as
pessoas que dizem palavrões são mais honestas e de confiança”.
Em traços
gerais, o autor do estudo diz que “dizer
palavrões permite às pessoas expressar sentimentos que de outra forma seriam
guardados para si mesmo, ou camuflados com palavras mais ‘corretas’ mas que não
correspondem verdadeiramente à realidade que está a ser sentida. Dessa forma,
dizer palavrões em determinadas situações que o justifiquem pode ser um sinal
de honestidade e significar que estamos perante alguém que não esconde os seus
sentimentos.”
A amiga de
Jô, nem sequer disse propriamente um palavrão, mas eu achei logo que ela deve
ser uma pessoa honesta e de confiança (sou muito crente em estudos), e fiquei
grata por ter um encontro matinal assim, de tanta qualidade.
Saí do néon
para a luz da manhã a pensar como os novos conhecimentos trazidos pelos
estudos americanos podem, por vezes, mudar tudo. Imaginemos que o injustiçado
Tozé Seguro lia o estudo e decidia dizer o mesmo que tem dito mas em modo
palavrão honesto e confiável.
Assim, por
exemplo:
“Não vejo,
nem nunca vi, um cagalhão (ai!) da verdadeira política, mas isso pouco importa
porque, em compensação, sei tudo sobre manobras partidárias; metam todos nos
cornos (ui!) que eu é que sou o cabrão (ai!) do secretário-geral do PS, e que
não me demito, cara…go! (ui!), porque ganhei a porra (ai!) das eleições!
Ouviram, ó seus merdas (ui!)?”
Não tenho
dúvidas que, aí, ficaria logo com o partido na mão – honestidade e confiança, you know – e assim escusava de andar em
círculos, a fugir do Costa, e a arranjar estratagemas para fazer um congresso
daqui por uns dez anos.
E todos
ganhávamos. Sobretudo, tempo!
Alguém lhe
devia mostrar o estudo americano.Nota: imagem de CC tirada daqui
"O palavrão inserido na cultura do palavrão, não. Nem é válido para o efeito deste estudo. O palavrão inserido em situações de stress ou de veemência de discurso, sim, não me faz espécie alguma. É evidente que o palavrão veste sempre uma indumentária e ela não é compatível com o salão, mas o palavrão sabe isso. Sabe onde é o seu lugar. Até na escrita: não cabe no texto do requerimento que vai ser lido pelo borra botas de um mangas de alpaca governamental, mas pode caber no texto de um qualquer Nobel da literatura. Viva o palavrão! Morra o Dantas! Porra. Pim!"
ResponderEliminarInteiramente de acordo, Graza.
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