sexta-feira, maio 03, 2013

Dos dias que passam

Todos os dias, numa ou noutra rua, encontro uma mudança.

Os funcionários nunca estão a tirar os móveis do carro para a casa. É sempre precisamente no sentido inverso que trabalham – da casa para o carro.
Parece que sempre alguém está de partida.

As plantas, nos seus vasos, trazidas aos solavancos pela mão forte e desprovida de afectos dum funcionário, perdendo terra e tremelicando a sua fragilidade, quase sempre encontram lugar entre um sofá deitado e um colchão de pé. E eu sempre temo por elas.

Porém, o que mais me aflige é que nunca reconheço o dono dos móveis, alguém que se preocupe e cuide da comodidade e arrumação das suas coisas, alguém que se inquiete com a posição do sofá ou com o lugar que destinaram ao colchão, alguém que salve as plantas, alguém que tenha com aqueles objectos uma clara relação de cumplicidade e posse.

E é precisamente nessa ausência que eles, os objectos, perdem toda uma dignidade que lhes advinha de terem enquadrado uma vida, de terem sido pertença, quando não amor, de alguém.

Dentro duma camioneta de mudanças, como fora dela, pode sentir-se o abandono e a vulnerabilidade próprios dum fim de linha, ou de época, ou de vida.

 

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