Não sou dada a saudosismos, nunca fui a um almoço ou jantar
das comemorações do 1º Dezembro (comemoração antiga dos alunos do Liceu, de que
se apropriaram, mais tarde, os alunos da Universidade) e esqueci uma enormidade
de colegas – a uns conheço a cara e não sei o nome, com outros é ao contrário.
Certo é que, também graças ao FB e a esta página,
reencontrei alguns com enorme satisfação.
Existem por lá polémicas, como é natural, e pontos de vista
muito diferentes dentro da “agremiação”. Uns vão pelo nacional- porreirismo do
somos todos amigos, vamos ver quem tem fotos, quem identifica os fotografados,
e por aí.
Outros exprimem opiniões sobre alguns intervenientes no seu
passado de estudantes, o que nem sempre é muito bem visto por quem tem opinião
diferente, ou até não tem opinião nenhuma mas acha que nunca se devem agitar as
águas.
A maioria das pessoas parece ter saudades do tempo que
passou naquele magnífico edifício seiscentista, mas esse não é o meu caso.
Aquilo não foi o terror do orfanato britânico do século XIX,
mas também não foi o tempo de uma adolescência livre e descuidada que todas as vidas
merecem.
Havia por lá muito mais medo do que respeito.
Rapazes e raparigas estavam rigorosamente separados, e se dessem
um passo fora da linha de demarcação os contínuos enxotavam-nos como a um bando
de cães tinhosos, e ameaçavam com o reitor (homem tão tenebroso como
salazarista). Mesmo os encontros mistos fora do Liceu eram carregados de
sentimentos de culpa, porque podia haver um professor que nos visse ou um
vizinho que nos denunciasse aos pais (Évora, por esse tempo, era das cidades
mais machistas e retrógradas deste país).
Recordo-me ainda de, em Junho, com trinta e muitos graus de
temperatura, pelas duas da tarde, esperar pelo toque de entrada, e mais dois ou
três minutos depois dele, para atravessar os claustros numa correria louca,
direita à sala de aula e fugindo dos contínuos, só porque não levava meias nas
pernas.
A repressão espreitava em cada sala, e fora delas; valia-nos
a condição de adolescentes para espantar o medo e fintar o poder.
Havia bons professores, mas também os havia péssimos; esses,
geralmente, acumulavam incompetência com um enorme talento para déspotas e
bufos.
Saudades, não tenho. Esse não foi o melhor tempo da minha
vida, como me era devido. Esse foi um tempo que os nossos filhos têm
dificuldade até de imaginar, felizmente. Pelo caminho novo que se abriu em
Abril, sacudimos o medo e aprendemos a exprimir opiniões, muitas formadas logo
nesse tempo de Liceu em que também fomos forjando o que somos hoje.
Entendo a página do AALNE como uma mini-sociedade em que
todos se devem poder expressar livremente, sem, porém, nunca esquecer que, como
dizia Bob Marley “a liberdade de expressão implica também alguma liberdade de
audição”.
Era bom que ela fosse, no presente, o espaço de liberdade
que o “meu” Liceu nunca foi no passado.
Também no Liceu da Póvoa de Varzim que frequentei havia uma entrada para rapazes e outra para raparigas, circuitos internos de circulação independentes e no recreio uma linha divisória imaginária não ultrapassável sob pena de processo disciplinar. Em compensação no primeiro conselho diretivo pós revolução que integrei, fiz aprovar a construção de balneários de educação física mistos ...
ResponderEliminarO salto civilizacional que demos a partir daí foi enorme. Infelizmente, Jarra, parece já não significar nada para muitos saudosos e branqueadores do passado.
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