Baixinha, viva, olhos verdes e míopes, vaidosa, leitora compulsiva, parecia uma bailarina de caixa de música posta a tocar para que mostrasse graciosas habilidades.
O auditório familiar sonhava sonhos grandes para ela, menina com brilho extra, leitora precoce de Althusser e Rosa Luxemburgo.
Quando, adolescente, sobreveio o breackdown, e que raio seria isso, foi como
uma bala no meio do peito do embevecido público. Havia de passar, havia de se
curar.
O tapete vermelho passou a rampa
de perigoso ângulo, resvalando para as alucinações, o real imaginário, os
imprevisíveis humores, a esquizofrenia.Como se um espírito mau tivesse puxado o fio do tricô tão laboriosamente tricotado, este começou a desfazer-se em brigas de amor-ódio, agressões verbais, fugas, relações cada vez mais perigosas com a vida, e lenta implosão familiar.
Nos dias bons, parodiava-se a
normalidade, nos dias maus encetavam-se buscas ansiosas em pensões sórdidas da
Baixa onde nunca estava só, e nem sequer aparecia, mas mandava recado, dizendo
que ainda não era tempo de voltar para casa. Iniciava-se então o regresso, com
uma dor que não devia ser permitida a nenhuma menina, para informar que parecia
que sim, que estava viva, mas não se sabia dizer quanto.
Havia de passar, havia de se
curar. E o plano inclinado cada vez mais íngreme, escorregadio e imprevisível.
Mas ainda gosto de a recordar
menina.
Muito bom!
ResponderEliminarO atual mundo anónimo, tolerante de todos os desvios, às vezes não ajuda muito os desvaridos!
Porém, o antigo, que não tolerava a diferença, também não ...
Concordo absolutamente.
EliminarQue texto bonito, Maria!
ResponderEliminarbeijinhos