Os privados não farão greve, o comércio não fechará, os trabalhadores por conta própria… tomara que tenham trabalho.
Aos poucos, mas ao longo dos anos, o poder tem criado as condições para não haver condições de fazer greve, por muito descontentes que estejamos. O trabalho precário, os recibos verdes, o trabalho a prazo, os contratos individuais, são poderosas ferramentas para desincentivar qualquer tipo de manifestação grevista.
É verdade que, amanhã, 15% dos portugueses impedirão os outros 85% de trabalhar, mas a greve, em abstracto, é ainda um dos direitos que nos liga à democracia tal como a conhecemos até aqui, e que pode estar a mudar.
Num excelente artigo do Atual de 19 de Novembro, com o título O Rapto da Europa, António Guerreio escreve sobre dois livros – de Hans Magnus Enzensberger e Jurgen Habermas.
Estes autores analisam a forma como a Europa foi raptada por “funcionários esclarecidos” que em Bruxelas tudo regulamentam, desde a coloração dos alhos franceses e a curva máxima do pepino, até às lâmpadas ecológicas de uso doméstico cujo regulamento ocupa 14 páginas.
Os livros abordam aquilo a que chamam a Europa pós-democrática. Já não se trata de défice democrático, que pressupõe um desvio ou uma insuficiência como analisa António Guerreio, mas da “entrada num outro modelo que ainda não sabemos designar senão como inflexão, historicamente determinada, da democracia”.
Nesse modelo, segundo Enzensberger, “ não se está a construir uma nova prisão para os povos, mas uma casa de correcção”.
Ora, se nessa casa de correcção os” internados” se atirarem uns aos outros, discutindo acaloradamente se é ou não “correcto” fazer greve, por exemplo, quem sairá a ganhar é o detentor do poder, que assegurará a ordem, reforçará a repressão hard e soft e, no fim, terá alcançado os seus objectivos.
Eu acredito que estamos a iniciar o caminho pós-democrático, e que seria bom que reflectíssemos sobre o papel que cabe a cada um de nós nesse novo e desconhecido quadro organizacional.
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