Se eu escrevo activo, ele nem se dá ao trabalho de assinalar o erro – muda imediatamente para ativo, se escrevo factura, decide por si e escreve fatura, e segue por aí fora numa fúria corretiva, e não correctiva, qual professor paciente mas implacável.
Percebi que me tomou a dianteira e, sem aviso prévio, aderiu de alma e coração ao acordo ortográfico.
Não tomo isso como uma afronta porque não creio que daí venha algum mal ao mundo, embora também me pareça que não virá grande ganho.
Olho para as novas regras ortográficas e parece-me que este é um acordo em perda, quero dizer, é um fartote de perdas. Ele é consoantes mudas, hifenes, acentos, maiúsculas e, talvez, um monte de outras coisas que ainda desconheço.
O que sei, por agora, é que nunca mais escreverei que passei a mão pelo pêlo do gato, mas sim que passei a mão pelo pelo do gato; também nunca mais ninguém pára para ver a banda passar, só para para ver a banda passar.
Perdem-se hífenes mas ganham-se muitos erres e esses que criam novas estruturas estranhas para os olhos do leitor, como será antirregulamentar ou antissocialista.
Tudo bem, havemos de nos habituar, como sempre nos habituamos a tudo mas, cá por mim, nunca vou deixar de lamentar a perda do hífen nas formas monossilábicas do verbo haver quando estão antes de preposição. Toda a gente há-de escrever há de e eu hei-de (ou hei de) sempre achar aquilo estranho, até porque me deu uma trabalheira a aprender na escola primária e não foram poucas as vezes em que uma professora (essa também implacável mas pouco paciente) me gritou aos ouvidos – “há, tracinho, de”
Agora, adeus tracinho.
A despromoção dos meses também não me é simpática e acho mesmo que eles não a mereciam. Já não faço anos em Junho mas sim em junho e o Natal deixou de ser em Dezembro e passou a ser em dezembro.
Bom mesmo, é que ganhámos três novas letras – K, W,Y, o que nos dá muito jeito.
Acredito que me falta aprender quase tudo sobre o acordo ortográfico, mas garanto que este texto já me deu muitíssimo trabalho a escrever. É que isto de estar sempre a corrigir o computador tem o seu quê de mundo às avessas.
Assim, a partir de hoje, ele escreverá como quiser e eu obedeço.
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