A minha amiga e vizinha Alice, hoje de manhã, não estava com o seu belo sorriso nem com a sua habitual energia.
Olhou-me e disse:” fomos acordados pelo treinador de natação do Manuel às 8 da manhã, a perguntar se ele não ia comparecer. Nós já não controlamos as agendas dos nossos filhos. Ficámos todos a dormir até às 10 horas.”
Notava-se a vontade de aceitar a sua falha. Estava, ao menos, feliz por ter dormido um pouco mais? Não, havia um fundo de culpa na sua expressão resignada.
É esta a vertigem da vida dos pais do século XXI, com a necessidade que sentem de proporcionar aos filhos o maior número possível de aprendizagens e exploração do se potencial, daí resultando, no fim, um enorme cansaço para si próprios. Não há tempo para pausas. Cada hora tem o seu calendário, o seu estímulo, a sua tarefa. Cada hora terá que ser produtiva.
Há 20 anos era normal, quando os pais queriam castigar uma criança ou um jovem, mandá-lo para o quarto.
Muito mais importante que a temporária e punitiva marginalização, era suposto que o silêncio do quarto trouxesse alguma acalmia e, até, alguma ponderação sobre os seus actos, a justiça ou injustiça do castigo.
Talvez o jovem pegasse num livro e com ele partisse para outras realidades, que, com um pouco de sorte na escolha, o ajudassem a confortar-se consigo e os seus anseios, a esboçar objectivos e a alargar a visão do seu pequeno mundo doméstico ou escolar.
Tudo isso passou. De há muito os quartos de crianças e jovens estão apetrechados com computador e internet, televisão, aparelhagem de som, consolas de jogos, DVD etc.
Não mais o silêncio redentor quebrado apenas pelas falas das personagens do livro, não mais a imaginação à solta pela mão dum narrador de peripécias ou ambientes.
Como escreve de Michel Crépu num texto intitulado “Esse vício ainda impune”, publicado pela Gradiva,” a tribo chama por ele (o rapazinho) sem parar, na lição de judo ou de viola, no clube de teatro e até na biblioteca! A experiência da solidão, do olhar fixado na janela por cima dos telhados, a experiência dessa tão estranha e doce tristeza que se esconde no fundo de cada livro como uma luz feita de sombras, essa experiência fundamental que é, afinal, a iniciação ao mundo e à finitude, essa experiência é quase impossível, proibida, até.”
Este pequeno excerto, apesar de, em meu entender, ser profundamente verdadeiro, parece conter um lamento pela perda dos “gloriosos” tempos passados. Essa nostalgia não partilho, porque sempre entendi, e continuo a entender, que a forma de viver, com o passar dos anos, nunca é nem melhor nem pior, é apenas diferente.
Mas é tão diferente que, admito, tenho dificuldade em imaginar como serão os adultos agora crianças. Oxalá, no fim, os exauridos pais possam dizer para si mesmos – valeu a pena.
E aqui deixo a minha homenagem a todas as Alice deste país.
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