sexta-feira, junho 20, 2014

Hoje jogo eu












 
 
 
 
 
Nas décadas de 1960 e princípio de 1970 do século passado, entre as várias actividades que arranjou para aumentar o ordenado, o meu pai foi correspondente, em Évora, do jornal “A Bola”.

Ao tempo, este era o mais respeitado jornal desportivo, sendo igualmente conhecido e reconhecido pelo seu engajamento contra a ditadura; publicava-se, salvo erro, três vezes por semana, e era recebido gratuitamente lá em casa.

Lá mais para o fim dos anos desta colaboração, meu pai sentiu-se orgulhoso e honrado por, certa vez, ter sido convidado a escrever uma coluna que, usualmente, ia rodando pelos jornalistas da redacção e que se chamava “Hoje jogo eu”.

Se bem me lembro, não escreveu sobre futebol, antes escolheu escrever sobre as qualidades humanas de um jogador do Lusitano de Évora.

Eu, no seu lugar, julgo que faria uma escolha semelhante – teria dito não ao pontapé na bola, que até pode ser artístico mas não me prende (ao contrário do que acontecia com o meu pai), e sim à parte boa, e tão profundamente humana, do que o futebol também é.

Neste, como nos outros campeonatos, o que gosto de ver é o que está antes e, se for uma final, o que está depois, isto é, a festa.

Gosto de ver as bancadas coloridas e ruidosas, gosto daquela megafesta de caras pintadas, cachecóis, bandeiras, cabeleiras e camisolas, gosto de ver os jogadores das duas equipas, ainda no túnel, aos abraços a companheiros de trabalho diário que, dentro de minutos, serão seus adversários, gosto de ver os seus saltinhos espanta-nervos, gosto da visível tensão que se lhes acumula por baixo da pele, gosto da entrada das bandeiras e das equipas, gosto dos hinos e de ver as pessoas a cantá-los, gosto do sentimento de pertença que nesse momento exibem, gosto de toda aquela sobrecarga energética. Gosto!

Este ano, gosto também de ver a determinação de brasileiros e chilenos (não sei se haverá mais), em enviar um belo manguito à FIFA enquanto cantam os seus hinos por inteiro, mesmo já sem música, porque inteira é a sua presença ali, plena de autoestima, orgulho e emoção, características de jovens países ainda capazes de todas as rebeldias.

Se procuro que nada do que é humano me seja estranho, facilmente reconheço que à volta destes grandes encontros futebolísticos há tanto de admirável como de venal, como em quase tudo na vida.
 
Por isso estamos sempre a escolher de que lado queremos jogar ou, simplesmente, ver o jogo.
“Hoje jogo eu”, e até 13 de Julho. Sempre do lado da festa.

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