segunda-feira, junho 02, 2014

Crónica dos dias que passam




















Há dias, estando eu no Lidl, parei um pouco naquela zona em que o supermercado tem roupa e outras tralhas muito alemãs, isto é,  muito “forte e feio”.

De súbito, no meio do silêncio, (sim, porque aquele é supermercado silencioso, sem música ambiente ou outras parvoíces sulistas), oiço a voz duma mulher, do outro lado da banca, a dizer:
- Jô, tens aí os teus óculos? Empresta lá!

Olhei e vi uma mulher alta, bonita, bem arranjada, na casa dos quarenta.
Imediatamente após o pedido, e sem nunca levantou os olhos do objecto pesquisado (no caso uns forros para bancos do automóvel), a amiga de Jô acrescenta de si para si, mas com decibéis suficientes para que todos a pudéssemos ouvir, e com total à vontade no solilóquio:

- Não vejo um cagalhão!

Ora, eu tinha acabado de ler sobre aquele estudo americano (mais um) que afirma que “as pessoas que dizem palavrões são mais honestas e de confiança”.

Em traços gerais, o autor do estudo diz que “dizer palavrões permite às pessoas expressar sentimentos que de outra forma seriam guardados para si mesmo, ou camuflados com palavras mais ‘corretas’ mas que não correspondem verdadeiramente à realidade que está a ser sentida. Dessa forma, dizer palavrões em determinadas situações que o justifiquem pode ser um sinal de honestidade e significar que estamos perante alguém que não esconde os seus sentimentos.”

A amiga de Jô, nem sequer disse propriamente um palavrão, mas eu achei logo que ela deve ser uma pessoa honesta e de confiança (sou muito crente em estudos), e fiquei grata por ter um encontro matinal assim, de tanta qualidade.

Saí do néon para a luz da manhã a pensar como os novos conhecimentos trazidos pelos estudos americanos podem, por vezes, mudar tudo. Imaginemos que o injustiçado Tozé Seguro lia o estudo e decidia dizer o mesmo que tem dito mas em modo palavrão honesto e confiável.

Assim, por exemplo:
“Não vejo, nem nunca vi, um cagalhão (ai!) da verdadeira política, mas isso pouco importa porque, em compensação, sei tudo sobre manobras partidárias; metam todos nos cornos (ui!) que eu é que sou o cabrão (ai!) do secretário-geral do PS, e que não me demito, cara…go! (ui!), porque ganhei a porra (ai!) das eleições! Ouviram, ó seus merdas (ui!)?”

Não tenho dúvidas que, aí, ficaria logo com o partido na mão – honestidade e confiança, you know – e assim escusava de andar em círculos, a fugir do Costa, e a arranjar estratagemas para fazer um congresso daqui por uns dez anos.

E todos ganhávamos. Sobretudo, tempo!
Alguém lhe devia mostrar o estudo americano.

Nota: imagem de CC tirada daqui

2 comentários:

  1. "O palavrão inserido na cultura do palavrão, não. Nem é válido para o efeito deste estudo. O palavrão inserido em situações de stress ou de veemência de discurso, sim, não me faz espécie alguma. É evidente que o palavrão veste sempre uma indumentária e ela não é compatível com o salão, mas o palavrão sabe isso. Sabe onde é o seu lugar. Até na escrita: não cabe no texto do requerimento que vai ser lido pelo borra botas de um mangas de alpaca governamental, mas pode caber no texto de um qualquer Nobel da literatura. Viva o palavrão! Morra o Dantas! Porra. Pim!"

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