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terça-feira, abril 12, 2011

A Música da Fome

Le Clézio ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 2008 e este livro foi publicado apenas uns dias antes do anúncio do galardão.
Li críticas que o classificavam como mais uma obra-prima, escritas por pessoas que muito sabem de literatura. Quem sou eu para as contrariar?
Pretendendo traçar um quadro da França, antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, período em que a heroína Ethel também passa de criança a adolescente e depois a jovem adulta, no meu entender Le Clézio acaba apenas por homenagear a vida da própria mãe. Homenagem bela e singela mas longe dum grande romance.
A Frente Popular, o anti-semitismo, o anti-comunismo, o colaboracionismo francês, a deportação dos judeus, tudo é apenas aflorado. As personagens têm pouca espessura e mesmo o amor de Ethel pelo inglês Lucien Feld não se percebe muito bem se é amor ou apenas uma necessidade de criar laços numa família desestruturada e num país em guerra.
Fiquei desiludida, mas deve ser defeito meu.

A Música da Fome
Le Clézio
Ed. D. Quixote, 2009

segunda-feira, abril 04, 2011

Pontos nos ii

Absorvidos pela vidinha, pela crise, pelos juros, pelo vem/não vem do FMI , pelas soberbas tiradas do presidente Cavaco e ainda pela cultura do eu, do ego e etc. e tal, senhores da nossa magna individualidade, vale a pena ler isto, porque é também para nos pôr os pontos nos ii que serve a literatura.

Os seres humanos são tangíveis. São dotados de corpo, e, como esses corpos sentem dor e padecem de doenças e terminam na morte, a vida humana não sofreu nem a mais ínfima alteração desde os primórdios da Humanidade.
Os factos da vida são constantes. Uma pessoa vive e depois morre. Nasce do corpo duma mulher, e, se conseguir sobreviver ao nascimento, a mãe terá de a alimentar e cuidar dela a fim de assegurar a sua sobrevivência, e tudo o que acontece a uma pessoa desde o momento do seu nascimento até ao momento da sua morte, todas as emoções que vão crescendo dentro dela, todas as explosões de raiva, todas as vagas de desejo, todos os acessos de choro, todas as rajadas de riso, tudo o que essa pessoa – seja ela um homem das cavernas ou um astronauta, viva ela no deserto de Gobi ou no Círculo Polar Ártico – alguma vez sentirá ao longo da sua vida já foi também sentido por todas as outras pessoas que vieram antes dela.

Palavras de Bing Nathan, personagem de Paul Auster em
Sunset Park (pag. 58 e 59)
Ed.  ASA, 2010

terça-feira, março 29, 2011

INDIGNAI-VOS

O pequeno livro INDIGNAI-VOS de Stéphane Hesse, tem vendido como pãezinhos quentes por essa Europa fora. Eu não fui excepção e também comprei um.
Stéphane Hesse tem agora 93 anos, é uma figura muito respeitada em França, foi um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos do Homem e integrou a resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial.
Não é um livro, é apenas um pequeno artigo que um (muito) sénior combatente sentiu necessidade de escrever neste momento tão difícil que o mundo atravessa.
Já ninguém escreve assim e o que tem para nos dizer é, basicamente, isso – Indignai-vos, fazendo apelo a que cada um encontre os seus próprios motivos para se indignar e participar, sempre pacificamente, contra o sistema desumano que se foi instalando e contra a perda das conquistas da Europa no pós-guerra, nomeadamente o “estado social”.
E argumenta: “Ousam dizer-nos que o Estado já não consegue suportar os custos destas medidas sociais. Mas como é possível que atualmente não tenha verbas para manter e prolongar estas conquistas, quando a produção de riqueza aumentou consideravelmente desde a Libertação, quando a Europa estava arruinada? Apenas porque o poder do capital, tão combatido pela Resistência, nunca foi tão grande, insolente, egoísta, com servidores próprios até nas maios altas esferas do Estado.”
Nada acrescentando aos debates sobre a evolução do sistema, fica a ideia de que o que se passa é tão escandaloso que mesmo um homem de 93 anos não se acha no direito de ficar calado e nos vem dizer apenas isso – INDIGNAI-VOS!

Indignai-vos
Stéphane Hesse
Ed. Objetiva, 2011

quinta-feira, março 17, 2011

"O Deus das Moscas"

Quando acabei de ler “O Deus das Moscas” a única interjeição possível foi um prolongado “uffff”. Sofre-se a ler este livro, não só pelo conteúdo mas também porque é extraordinariamente cinematográfico, o que torna a experiência da sua leitura muito vívida.
Um grupo de crianças dum colégio inglês está sozinho numa ilha deserta do Pacífico. Nunca é explicado como lá foram parar, nem isso é importante.
Numa primeira tentativa de organização, é escolhido um (natural) chefe cuja principal preocupação é manter uma fogueira com fumo permanente para que possam ser vistos por algum barco que passe, bem como a construção de abrigos e a definição dos lugares para cada actividade. Bom senso, portanto.
Com o passar dos dias, outro candidato a chefe aparece, com base noutra necessidade – caçar para ter carne, mas também na natural, simples e humana ambição.
O desenrolar de toda a ação que se segue é uma enorme metáfora sobre o ser humano e a luta entre o seu lado luminoso ou sombrio, corajoso ou cobarde, inocente ou malvado, louco ou sensato, inteligente ou tosco, até descer progressivamente ao selvagem irracional, capaz de matar só por matar, numa enorme orgia de primarismo animalesco.
Com base nas grandes questões da sobrevivência, o que William Golding nos traz é uma profunda reflexão sobre a condição humana, a dualidade bem/mal que sempre lhe subjaz, e a fragilidade do verniz civilizacional que estala com demasiada facilidade face à tentação do caos.
Com uma escrita límpida e sem floreados, este é um livro duro de ler e que nos inquieta, porque nos confronta com aquilo que sabemos que somos, mas preferimos esquecer.
Um grande livro.

O Deus das Moscas
William Golding
Ed. D. Quixote, 2008

William Golding nasceu em 1911 no Reino Unido (Cornualha) e morreu em 1993
Recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1983.
Este continua a ser o seu livro mais conhecido.


quarta-feira, fevereiro 23, 2011

O Amor em tempos incertos


No momento em que o sul do Mediterrâneo ora nos alegra, ora nos deixa apreensivos, opto por uma certa visão do amor através da bela prosa de Sándor Márai, par quem tiver paciência para ler tantas palavras.

“Continuo sem saber o que é amar…mas é possível saber? E saber para quê? Isso nada tem a ver com a razão. Seguramente o amor é mais do que conhecimento. Conhecer é muito pouco. Há sempre um limite…Amar é, talvez, viver ao mesmo ritmo. Um acaso maravilhoso, como se, no universo, dois planetas tivessem a mesma órbita, a mesma atmosfera e a mesma matéria. Um acaso com que não devemos contar. Talvez nem exista. Vi já algo semelhante? Sim, talvez…muito raramente…mas não estava muito seguro. Identidade na vida e no amor. Gostar dos mesmos pratos, da mesma música, da mesma maneira, rápida ou lenta, de ir na rua, do mesmo ritmo com que se buscam na cama…talvez seja isso. Como isso deve ser raro! Um milagre…Esses encontros, eu imagino-os místicos. Mas a vida real não se alicerça em tais probabilidades. Julgo que segregar hormonas simultaneamente, pensar o mesmo das coisas, exprimindo-se com palavras idênticas…eis o que eu entendo por ritmo. Mas isso não existe. Uns são mais lentos, outros, mais rápidos, uns têm medo, outros arriscam, uns são ardentes, outros, mornos. Tem de se levar assim a vida, e o mesmo para os encontros…é assim, no seu estado de imperfeição, que temos que agarrar a felicidade.”

Sándor Márai
Divórcio em Buda
Ed. D. Quixote, 2010

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Era uma vez um funâmbulo


Numa madrugada do final do verão, os habitantes de Manhattan observaram incrédulos e em silêncio as Torres Gémeas. Estamos em Agosto de 1974 e um misterioso funâmbulo corre, dança e salta entre as torres, suspenso a 400 metros do chão.

Excerto do texto de contracapa do livro “Deixa o Grande Mundo Girar” de Colum McCann, editora Civilização, 2010, vencedor do National Book Award 2009.

A 7 de Agosto de 1974, confesso que pouco liguei à notícia e dela guardo uma muito vaga recordação. Por essa altura, os que não tinham ido para o estrangeiro tinham uma revolução para fazer; por aqui aconteciam demasiadas coisas todos os dias, vivíamos o “verão quente” e pouco nos interessava o que se passava no resto do mundo. Muito mais importante era perceber, hora a hora, minuto a minuto, se a liberdade tinha vindo para ficar ou se ainda nos podia ser confiscada.
Este livro de Colum McCann pega no dia desse inusitado acontecimento, levado a cabo pelo francês Philippe Petit, para traçar um vasto quadro de Nova Iorque dos anos de 1970.
Agarrando em meia dúzia de personagens que construiu e transformou, cada uma delas, numa peça de puzzle, monta o dito puzzle inteirinho, onde tudo se encaixa no final.
O Bronx, o terrível Bronx dos anos de1970, em que tudo era miséria, droga, crime, medo, prostituição, sujidade, lugar de vida de todos os deserdados da grande cidade, é o epicentro da (s) história (s). Lá, somos apresentados às prostitutas Tillie e Jazzlyn, mãe e filha, ao padre católico Corrigon que o seu irmão tenta salvar de Deus e que cairá de amores por uma Guatemalteca clandestina, e a Gloria, que perdeu três filhos na guerra do Vietname.
Pelo caminho, conheceremos também moradores de Park Avenue, isto é, Claire, que também perdeu o seu filho único no Vietname, casada com o juiz judeu Soderberg, que acabará por julgar o funâmbulo, libertando-o a troco da realização de um espectáculo para crianças em Central Park.
Inventor de histórias pessoais muito ricas, Colum McCann, é mestre a cruzá-las, produzindo 430 páginas de texto que nunca nos aborrece, que nos pode comover mas que nunca é lamechas.
No final, numa nota do autor, ele escreve – “A literatura faz-nos lembrar que a vida não está já toda escrita: existem ainda muitas histórias para serem contadas”.
Não sendo um livro inesquecível é, sem dúvida, um grande romance.
Palavras que dele reterei por muito tempo:

NINGUÉM CAI ATÉ METADE

quinta-feira, janeiro 20, 2011

VIVA MÉXICO

“O texto escrito implica, entre o autor e o respectivo leitor, a promessa de um sentido”
George Steiner, O Silêncio dos Livros, Gradiva

Este livro não contém uma promessa vã.



Recomenda-se:
Para quem gosta de ler.
Para quem gosta de viajar, nem que seja no sofá.
Para quem gosta de ler e viajar em 1ª classe

Alexandra Lucas Coelho pega-nos pela mão e leva-nos através dum México de Frida Kahlo, de paisagens e cores exuberantes, de gente que vive minuto a minuto no medo de uma bala perdida em Juárez, de emigrantes, de pobres, de emigrantes muito pobres, intelectuais, gente comum e solidária, homens e mulheres que nunca perdem a fé, sobretudo na Virgem de Guadalupe