quinta-feira, novembro 07, 2013

O estado da interpretação


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
É bom avisar logo de entrada que detesto Nuno Crato e as suas políticas; acho-o até um muito perigoso bandido político, dos piores do governo.

Porém, um destes dias, o homem defendeu a austeridade do orçamento para 2014 e explicou, como se fossemos muito burros, que sem essa austeridade, para pagar a nossa enooooooooorme dívida, "teríamos de trabalhar mais de um ano sem comer, sem utilizar transportes, sem gastar absolutamente nada só para pagar a dívida “.

A partir daqui, o jornal i titulou: "portugueses precisam de trabalhar um ano sem comer para pagar a dívida”.

Que faz a populaça em fúria com tudo e com todos? Vai ler o artigo e tentar perceber aquilo que à primeira vista parece um disparate? Não. Toda a gente interpreta como dá jeito ao seu ódio, ou seja − o fdp quer que a gente deixe de comer durante um ano.

A culpa, neste caso, nem foi da iliteracia, embora ela se faça sentir com grande vivacidade nas redes sociais; como parece óbvio que ninguém iria sugerir que morrêssemos todos para pagar a dívida, foi a irracionalidade do ódio e a satisfação com a superficialidade da informação absorvida que conduziram a comentários do tipo:

- Vómito.
- Ele devia passar um ano sem comer.
- Sujeito abjecto, desprezível.
- Um escarro com poder!
- Asqueroso
- Uma aberração! A estupidez típica deste regime: trabalhar um ano sem comer...
- Este tipo consegue é comer um ano sem trabalhar. Malandragem.
- Puta que o pariu
- Ficamos sem comer para dar milhões a colégios privados

É só uma pequena amostra.

Já é grave para um país ter um ministro como Crato; mais grave ainda é ter um população que não busca a verdade, que não quer entender, que não se esforça por se informar, que deturpa tudo para o lado que lhe dá jeito, que, no fundo, aceita iludir-se a si mesma.

Mas o mais preocupante de tudo é que, não raro, estes comentários têm início em pessoas que, apesar de terem responsabilidades na sociedade portuguesa, parecem ter desistido da boa-fé num combate político em que já vale tudo.

Não, as crises nunca são oportunidades. Para nada.
E sempre trazem ao de cima o que de pior há em nós.
Posto isto, claro que a conversa do Crato é cretina.
 

6 comentários:

  1. É bom manter a inteligência principalmente nas situações difíceis.
    O mesmo já se tinha passado com o "aguenta, aguenta" do Ulrich.
    Isto não quer dizer que quem está em situações de liderança, em ambiente de desespero, não deva ter muito cuidado com (e como) o que diz!

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    1. Como as coisas estão, só um estúpido não decuplica a cuidado na escolha das palavras. Eles são estúpidos, MESMO!

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  2. O insulto sempre foi um grande modo de alívio para o espírito, apesar de não ser muito inteligente, por isso compreendo...mas muitas vezes faz o jogo político do adversário.
    ~CC~

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    1. Permito-me corrigir, CC: O insulto sempre foi um grande modo de alívio para o espírito DERROTADO. E, sim faz o jogo político do adversário., embora às vezes saiba bem; talvez porque nos sentimos mesmo derrotados e impotentes.

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  3. Cheguei aqui vindo do Horas Extraordinárias e dei por mim, quando acabei este texto, a ler com muito prazer, e algumas gargalhadas, os mais antigos. Serve este comentário para lhe agradecer. Não é comum encontrar na blogosfera opinião tão inteligente, nem sentido crítico e humor tão bem-doseados. Obrigado.

    Bruno

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  4. Caro Bruno, que comentário simpático o seu.
    Obrigada sou eu, evidentemente.

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