sexta-feira, fevereiro 04, 2011

A cada geração, sua guerra


No dia 4 de Fevereiro de 1961, faz hoje meio século, deu-se em Angola o primeiro incidente grave contra o colonizador, que nos iria conduzir a uma interminável guerra em várias frentes.
Quando o conflito estalou, o meu irmão era ainda um pré-adolescente. Contudo, a nossa mãe, com as suas eternas e maternas premonições, adivinhava que ele não ficaria de fora, contra a opinião do nosso pai que sempre afirmava que a guerra não podia durar tanto tempo. A premonição materna confirmou-se e, numa manhã de inverno de 1971, o meu irmão lá partiu para Angola num barco grande apinhado de jovens de 20 anos como ele.
A partida fez-se do Cais da Rocha e estava decidido que a família não iria, as despedidas estavam feitas. Mas eu fui.
 A tropa já estava embarcada, o regime não gostava das emoções do povo e evitava despedidas.
Entre o barco e o local onde nos era permitido estar havia uma enorme espécie de terra de ninguém, onde apenas circulavam alguns, poucos, militares, tornando impossível localizar quem quer que fosse na amurada. Consegui chegar à frente e perguntei a um desse militares se conhecia o meu irmão e, no caso afirmativo, pedi-lhe que lhe dissesse onde eu estava; como sinal, eu atirava a mala de mão ao ar repetidamente. Esta tentativa teve êxito, e o meu irmão começou também a, repetidamente, atirar a sua boina ao ar. Foi este o nosso código de despedida, não muito longe dos ancestrais sinais de fumo.
Por lá ficou 28 meses, depois de já ter cumprido em Portugal mais 24 meses de tropa. Em suma, foram quase 5 anos da sua juventude perdidos numa guerra injusta e sem saída. Esta foi a sorte duma geração inteira.
Quando hoje assisto à muito má situação que os jovens vivem, e se diz, com razão, que é uma geração asfixiada, penso na minha.
Hoje, dizem, não há futuro, e é verdade. Para milhares de jovens da minha geração, também não houve.
Hoje a família vai ajudando como pode. Na minha geração quase não havia família em que não faltasse um filho, um neto, um irmão, um namorado, um amigo, um marido.
Hoje há carências. Na minha juventude havia ausência, medo e carências.
Entre os dois tempos, venha o diabo e escolha que eu, apesar de tudo, já escolhi.

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