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terça-feira, abril 02, 2013

O mundo ao contrário


Faz hoje 30 anos, no Hospital de Évora, nasceram várias crianças. Não sei quantas foram, mas sei que começaram a nascer cedinho e continuaram pelo dia fora.

Uma dessas crianças era minha.

Estivemos lá cinco dias, como era prática nesse tempo, e, apesar de ser Páscoa, não nos faltou nada; nem médicos, nem cuidados de enfermagem, nem fraldas, nem medicamentos, nem vacinas, nem o teste do pezinho. À saída, também não pagámos nem um tostão.

Daí para a frente, o SNS sempre nos acolheu quando precisámos, a escola e universidade públicas também ensinaram a criança feita menino, depois adolescente e, finalmente, homem.

Há trinta anos éramos um país pobre e atrasado, o 25 de Abril estava a fazer apenas nove anos, o FMI andava por cá tal como agora anda a troika, mas as crianças continuavam a nascer.

E o Estado nunca deixou de cumprir as suas obrigações.

Saímos dessa crise e de outras; por várias vezes prosperámos.

A crise que agora vivemos, apesar de violenta, encontrou à chegada um país inegavelmente diferente do de 1983; um país que entretanto evoluiu, se modernizou e ficou, literalmente, mais rico.

Porém, é agora que nos vêm dizer que não há dinheiro para o SNS ou que é preciso pagar e degradar a escola pública.

E é também agora que as crianças não nascem.
É o fim da linha e dá vertigens − é o mundo ao contrário.


quinta-feira, dezembro 29, 2011

Dores

No blogue pegada, Luís Moreira escreve sobre a falta de planeamento no Serviço Nacional de Saúde e os seus malefícios.
Ao que ele escreve, eu acrescentaria “desvios”, corporativismos, má gestão e abusos graves da parte de todos – prestadores do serviço e seus utentes.

O nosso SNS foi-se tornando, em 30 anos, a menina dos nossos olhos, com médicos e outro técnicos competentes e atualizados, tecnologia moderna, atendimento universal e quase gratuito.
Era algo de que todos nos orgulhávamos e que, na generalidade, merecia a nossa confiança, mas estamos agora a começar a despedirmo-nos dele tal como o conhecemos.
Acredito que se pudesse fazer o mesmo com menos, mas dizer que se vai fazer “mais com menos” é demagogia rasteira e relapsa, e o resultado está a começar a aparecer.

Como já disse, acho que desperdícios e abusos são da responsabilidade de todos, tendo-se tornado os utentes, ao longo dos anos, tão abusadores como os restantes agentes envolvidos.
Mas esse é o meu lado da barricada, e por isso me sinto à vontade para contar esta história verídica e bem ilustrativa do que digo.

Passou-se nos Açores, não interessa em que ilha, mas poderia passar-se em qualquer ponto do país.
Às 3 horas da madrugada os bombeiros recebem uma chamada dum homem que pede para o irem buscar porque está muito doente. Tentam saber o que sente mas o homem apenas repete que está muito mal.

Os bombeiros iniciam uma viagem de 30 quilómetros (por estradas açorianas correspondem a uma muito razoável viagem) e, chegados ao local, um homem abre a porta e identifica-se como sendo o doente urgente.
Quando os bombeiros perguntam o que sente responde com prontidão:
− Dói-me um dente.

Oxalá daqui em diante não nos doa mais que a alma, porque os padres ainda não cobram pela confissão mas os bombeiros já não têm dinheiro para o transporte.