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terça-feira, agosto 09, 2011

O elevador

O elevador do hotel da praia é uma espécie de Arca de Noé dos tempos modernos.
“Sobe que sobe, desce que desce”, sempre carregando gente no seu bojo, mas também tralhas, aromas e estados de alma
Pela manhã, o elevador transporta restos de sono e sonhos vestidos de calção, t-shirt e sandálias. Geralmente não tem cheiro, mas pode pairar no ar um subtil aroma a sabonete.
Ao longo do dia carrega homens, mulheres, velhos, novos, crianças de todos os tamanhos, mas também sacos de praia a abarrotar de “coisas”, toalhas, sombrinhas, cadeiras, colchões, carrinhos de bebé, cadeiras de rodas, baldes, pás, chapéus. Enfeita-se então de fato de banho ou biquíni, saída de praia, óculos de sol e chinela no pé. Cheira a sal e sol, protector solar e suor.
Leva sempre muitos, apertadinhos uns contra os outros; quase se pode apalpar a claustrofobia, o mal-estar ansioso, o desagrado pela excessiva proximidade de corpos estranhos, a sufocante ausência de espaço vital, o cansaço e o silêncio.
Ao pôr-do-sol o elevador desce já lavado; jovens de cabelo ainda molhado, senhoras bem penteadas (como o conseguirão?).
No ar misturam-se aromas de todas as águas-de-colónia da moda, e veste-se com vontade de parecer bem.
De noite, volta a subir e a cheirar de novo a sono e sonhos, mas também a sexo, álcool, erva, azia e escaldão.
Por umas horas, descansa.
Para logo recomeçar o seu interminável “sobe que sobe, desce que desce”.

quarta-feira, julho 27, 2011

Olhando os outros

Elas chegavam impreterivelmente às 18h30. Todos os dias.
Iguais. Apenas separadas por trinta anos de vida vivida, ou por viver.
As cadeiras de praia e a sombrinha previamente alugadas lá estavam à espera,
paralelas mas ligeiramente oblíquas em relação ao mar. Procuravam o sentido do sol, uma um pouco atrás da outra.
O ritual começava então.
Dos enormes sacos saiam duas toalhas rigorosamente iguais, com riscas azuis e amarelas, que eram estendidas nas cadeiras e presas na parte superior da lona com gestos precisos e domésticos. Os sacos eram colocados nos assentos e tapados com a parte restante da toalha. A filha tirava rapidamente a “saída de praia”, calçava os sapatos de plástico, alinhava com o elástico o cabelo já alinhado, e dirigia-se para a beira da água. Para lá e para cá, trinta passos de cada vez. Tinha a posição corporal do atleta nos momentos de concentração antes da prova que preparou durante todo o ano. Cabeça ligeiramente flectida, passos certos e cadenciados, a suave palmada na coxa, como que para descontrair a mão, ou afugentar o medo de falhar.
Contudo, o seu corpo não tinha nada de atlético. Miúdo e magro, razoavelmente moldado no biquíni discreto.
De vez em quando permitia-se sair da concentração e, com um olhar furtivo, averiguava o estado de preparação de sua mãe para o banho de mar.
Esta, tomava o seu tempo. Despia a bata, colocava o boné verde, calçava uns ténis, punha batom protector, arrumava e tornava a arrumar. Quando terminava, com inequívoco sinal de maior minúcia materna, quebrava a sintonia recolhendo os cantos da toalha sob o saco, como quem faz a cama.
Finalmente pronta.
A filha prontamente acorria, dava-lhe um esvoaçante mas terno beijo no ombro, pegava-lhe na mão e caminhavam assim, durante muito tempo, por dentro do mar chão e prata do entardecer.
Nunca vi a mãe beijar a filha.