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terça-feira, maio 07, 2013

Mike










 
 
 
Michael Biberstein morreu no domingo, vítima dum súbito AVC.
Tinha 64 anos.

Pintor suíço radicado em Portugal desde os anos 1970, mas realizando exposições pelo mundo inteiro, as palavras mais associadas à sua pintura são “paisagem”, “romantismo”, “sublime”.

Quem leu este meu post talvez tenha percebido que ele era um artista que eu muito admirava. Porém, o homem simples que também era conquistou a minha simpatia logo à primeira vista, em 2004, ano em que, para grande surpresa minha, acedeu a fazer uma exposição em Évora.

No primeiro telefonema que me fez, disse:
- Está, Maria, daqui Mike.
Percebendo o meu silêncio, próprio de quem acha que há ali um engano, ele acrescenta rápido – Biberstein. A partir de aí foi assim que nos tuteámos.

Para a exposição, primeiro entrou um homem com um enorme tapete vermelho que esticou no chão. Dias depois, entrou o Mike com uma pedra e umas tintas que, depois de preparadas, deitou sobre a pedra, e foi embora.
 
 
 











De seguida, chegou Manuel Mesquita, com a instalação sonora que tinha preparado para acompanhar a exposição, e fez o seu trabalho.
E assim ficámos por vários dias.

Mike tinha algumas ideias vagas sobre o que queria fazer mais. Nada muito concreto ainda, ou arrumado na cabeça, mas eu percebia que estava à procura, que o seu cérebro estava em permanente laboração para aquela exposição.
Contudo, dali não saiu mais nada até ao dia da inauguração da mesma, quando Mike apareceu, depois de almoço, com papéis brancos, telas pretas e algumas aguarelas. Pegou no martelo, colocou tudo em cinco minutos, e foi embora até à hora marcada para a inauguração.

Eu olhava e só pensava: “olha que coisa mais linda”.
 
 
No final da exposição, Mike perguntou-me se gostava das aguarelas, e perante o meu entusiasmo com elas disse: escolhe uma, Maria, que te quero oferecer. Pouco habituada a generosidades destas, perguntei porquê ao que ele respondeu que eu o tinha deixado fazer tudo o que queria, no tempo em que quis, aguentando firme, e por isso merecia.
 
As aguarelas tinham um preço de venda ao público quase pornográfico, mas era o preço de mercado de Michael Biberstein. Eu escolhi, claro; ela está e estará comigo como recordação viva dum dos raros encontros inesquecíveis que acontecem nas nossas vidas.

Mike partiu no domingo, muito cedo. Demasiado cedo.
Talvez por isso, para além do que acabo de contar, lembrei-me ainda do título que ele escolheu para esta exposição.
A partir da célebre afirmação de Einstein sobre as leis da física – “God doesn’t  throw dice” (Deus não joga aos dados), Michael resolveu perguntar: “…so what about marbles, Albert, did he play with those?” (…e berlindes, Albert, ele jogou com eles?”).

A pergunta continua pertinente, mas talvez Mike já tenha a resposta.
Oxalá.


quarta-feira, março 14, 2012

Silêncio

Há dias, passou na RTP2 um filme com o nome “O meu amigo Michael ao trabalho”. Tratava-se de acompanhar a realização duma enorme tela de
Michael Biberstein, artista nascido na Suíça mas que vive em Portugal desde o final da década 1970.

Quando Michael entrava de manhã no ateliê sentava-se longamente diante da tela e observava o trabalho já feito.
O grande silêncio, a grande solidão do artista.
Do seu trabalho resultam telas que nos convidam também ao silêncio e onde, se nelas nos detivermos, podemos encontrar o sublime.

No Atual do Expresso de 3 de Março, Siza Vieira dizia:
"o nada, o aparente nada, às vezes é o mais importante, mas existe uma doença contemporânea muito grave que é o horror ao vazio.
O vazio, tal como o silêncio, provoca medo. Isso é algo de muito contemporâneo".

Rodeados que estamos de ruído visual e auditivo, escolhemos demasiadas vezes a fuga para a frente, para dentro dele, na esperança vã de fugir à grande solidão que a sociedade contemporânea toma por um grande mal, se não mesmo como um sinal de desadaptação.

Porém, a solidão, o vazio e o silêncio são as vias para a criação, o conhecimento de si, as descobertas, e o apaziguamento face a uma realidade cada vez mais dura.
Não se pode fugir do real, mas a forma como o encaramos e nos encaramos (e aos outros por arrasto) pode constituir mudança significativa.

Encontrar momentos de fuga do ruído, de todos os ruídos, ouvir o silêncio, morder o vazio, viver a solidão, continuam a ser actos decisivos e fundadores da nossa vivência para além dos ossos, dos músculos e das vísceras.
Seja isso o que for; a cada um, sua verdade. Ou dúvida.

Nota: na imagem, foto de tela de Michael Biberstein