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sexta-feira, abril 05, 2013

À janela


Foi ontem que o Relvas foi à sua vida e é hoje que o Tribunal Constitucional vai dar as respostas que esperamos há três meses, não é?

Bom, então vou falar de outra coisa.

O meu amigo Luís P. começou a escrever num novo blogue colectivo com um nome impronunciável – O Inaniloquente

Nos dois posts que escreveu até agora contou estórias da sua infância, e revelou-se um bom contador das mesmas. Diria que a sua narrativa nos agarra, mas não digo, porque suspeito que essa palavra está já proscrita.

Fiquei a pensar o que teria eu para contar da minha infância. Pouco.

Ao tempo, a infância duma menina em cidade de província tinha como espaço certo, seguro, e quase único, a casa e a sua janela.
Eu usava-a tanto, a janela, claro, que tinha calos nos cotovelos.
Era uma janela de peito, num rés-do-chão, e para poder “estar à janela” os meus pais tinham colocado a meia altura um estrado onde eu punha os pés.

Daí  observava épicas lutas de bandidos e cowboys, bem como jogos de hóquei em patins (com stiques e bola comprados na feira lá da terra mas, obviamente, sem patins). Eram os gloriosos tempos da equipa portuguesa de Moreira, Vaz Guedes, Adrião, Velasco e Bouçós, salvo erro.

Jogos e coboiadas eram protagonizados pelo bando de miúdos das redondezas onde plenamente se integrava o meu irmão que, esse sim, podia brincar na rua.

O incansável labor das formigas, que constantemente passavam carregadas a caminho do formigueiro por baixo da minha janela, também era por mim observado com a atenção da cientista que não fui, ou filósofa que não filosofou, durante horas, isto é, sempre que os xerifes iam dar tiros para a rua do lado.

Não vou aqui dizer que as formigas e os seus denodados esforços me ensinaram alguma coisa para a vida, porque isso seria uma rotunda mentira; eu era dona duma cabecinha infantil que não especulava sobre o bem e o mal, certo e o errado.

Essas aprendizagens, aliás, tinham um código simples – para bem e certo, silêncio, para o contrário, uma estalada. E a gente aprendia rapidinho, juro.
Também sei que já então não era uma santa, porque me lembro muito bem de cuspir repetidamente para ver se acertava nalguma formiga com que calhava a embirrar, sabe-se lá porquê.

Claro que conhecia as lojas das redondezas e os seus proprietários; a minha mãe, de vez em quando, mandava-me lá “fazer um mandado”, mas o meu reino era a janela. E não foram poucas as vezes em que, na correria para lá chegar, porque me parecia que algo de excitante se estava a passar na minha rua, esbarrei no dito estrado que tinha que subir e esfolei os joelhos ou as canelas.

Era normal que os rapazes aparecessem com mazelas/troféus após as suas brincadeiras vigorosas de pré-machos latinos, mas, como se vê, da vida à janela duma menina também podiam resultar sequelas que solicitavam o uso do garrido mercurocromo, e que depois competiam, cromaticamente, com os joelhos do rapaz da casa.

Tudo isto faz da minha infância um tempo infeliz? Nem por sombras. Era assim, e pronto. E cada um(a) sabia sempre encontrar no que “era”, o seu naco de felicidade.

PS: na foto ali de cima, sou mesmo eu à janela.
E bom fim de semana.