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segunda-feira, maio 12, 2014

Isso é que era!









 
 
 
 
 
 
 
Sonolenta reflexão numa tarde de domingo:

A minha geração, quando as coisas não corriam bem no país, sentia que tinha o DEVER de as tentar mudar. E tinha.

A geração a seguir à minha, quando as coisas não correm bem no país, sente que tem o DIREITO de se ir embora. E tem.

E então? Moral da história?
Bom, isso não sei; se calhar nem tem.

Também nem sei por que me pus a pensar nestas parvoíces em vez de tentar perceber se a barba do tavesti que ganhou o festival da canção é real ou pintada.

Melhor ainda seria começar a alertar as redes sociais, que ainda não perceberam nada, para o facto de a victória do travesti barbudo ser parte integrante do pacote de sanções da Europa à Rússia.

Isso é que era! Mas afinal acabei por passar pelas brasas.

quarta-feira, abril 10, 2013

Dois em um

Sentada na minha cadeira, e diante do meu computador, posso observar claramente a existência de dois países num só, um pouco como o “dois em um” do champô e amaciador.

As redes sociais são uma janela aberta para a sociedade, ou, pelo menos, para uma parte dela, que já não é tão pequena assim.

De um lado, o que vejo é a minha faixa etária, acompanhada por alguns mais novos, completamente obcecada com a situação política, económica e social do país.

Do outro lado vejo os mais novos, acompanhados por alguns mais velhos, que continuam entregues quase exclusivamente aos seus interesses de sempre, sejam a música, a arte, o futebol, a saúde, a moda, enfim, a normalidade.

Para estes últimos, parece que nada de novo está acontecendo por aqui e a vida continua no seu percurso doce e previsível.

Ao contrário, para o primeiro grupo, a vida transformou-se no ovo da serpente onde diariamente incubam novas ameaças, medos, inseguranças e pérfidos desígnios políticos.

A Pátria está com dupla personalidade.

segunda-feira, novembro 21, 2011

Carta (que ele não vai ler) a Henrique Raposo


Bom dia, Henrique

Já é 2ª feira e ainda não digeri a sua crónica de sábado no Expresso.
Tenho o hábito de o ler, mas é mesmo só hábito, porque raramente concordo consigo. Talvez eu tenha o hábito de discordar de si, mas desta vez você foi longe demais, ofendeu-me a mim e à minha geração.

O Henrique não me lê como eu o leio a si mas, se lesse, saberia que tenho grande apreço e carinho pela geração a que pertence, ao contrário de si que destila ódio pela geração dos seus pais e tios e avós que, curiosamente, muitas vezes refere com carinho. Deve ser só a sua família que tem qualidades; os outros da mesma geração são uns filhos da mãe, pendurados nos vossos descontos e sacrifícios, são “matronas anafadas” que vos roubam a cegonha, o bem-estar e a casinha no centro de Lisboa.

Saberá certamente o Henrique que os seus estimados pais, e todos os da sua geração, não esperaram ter uma casa no centro de Lisboa para o mandar vir, nem esperaram ter todas as condições desejáveis para ter filhos, ou você não estaria cá. Ao contrário, os seus amigos não querem nada com a cegonha antes de ter tudo nos trinques.

O Henrique saberá também, certamente, que a casinha que agora custa 20 euros, quando foi arrendada nos idos de 60 ou 70, custava os olhos da cara e levava grossa fatia do ordenado. Nada de novo, portanto. A habitação sempre foi cara para os jovens.

Não quero com isto defender a lei em vigor, de que, aliás, discordo profundamente, mas o Henrique também saberá que as rendas foram congeladas em Lisboa ainda por Salazar, e que nenhum governo, até hoje, foi capaz de resolver este assunto de maneira justa, razão pela qual tudo vai ficando na mesma.

O Henrique saberá ainda que os governos são eleitos por nós, e calculo que o menino, apesar de jovem, já elegeu vários, pelo que também contribuiu para o “peditório”.

As “matronas anafadas” que pagam rendas baratas usam a lei que os políticos não ousam mudar, mas o Henrique está em óptima idade para entrar na política e ajudar a resolver esta e outras miudezas da política portuguesa. Tem agora um governo a seu jeito e acho que devia tentar. Assim, poderia fazer leis que pusessem as velhas todas debaixo da ponte e acabar de vez com as reformas desses malandros da geração dos seus pais, cambada de parasitas que estão a viver dos seus descontos e a ocupar as casas que lhe são devidas a si e aos seus amigos.

Tenho estado a partir do princípio que o Henrique saberá uma série de coisas elementares mas há uma que me parece que desconhece completamente – chama-se Solidariedade Geracional, que faz com que os seus pais tenham pago a reforma dos seus avós e com que você pague a dos seus pais. Um dia, se não estragarem tudo até lá, os seus filhos pagarão a sua.

Enquanto o Henrique não aprender que tudo nesta vida é política e não conflito geracional, não será um verdadeiro homenzinho.

Mas olhe, eu acho que o menino não é parvo, e por isso, faz-se. Que diabo, apesar de eu os abominar, a democracia também precisa de políticos de direita.

sexta-feira, setembro 23, 2011

Tribos e nostalgias

No passado dia 19, muitos se lembraram que 30 anos antes acontecera o memorável concerto de Simon e Garfunkel em Central Park.
A propósito dessa pequena e ternurenta nostalgia, lembrei-me duma conversa tida, não há muito tempo, com jovens agora na casa dos 30. Dizia-lhes eu que nunca tinha existido uma geração que ficasse nostálgica tão cedo, dado que todos cantam em uníssono as músicas dos desenhos animados da sua infância, evocam e comentam os heróis dos mesmos, numa vívida orgia de prazer revivalista.
Eles explicaram-me que eram a última geração a fazer tal coisa (daí, se calhar, o gozo), porque, havendo só dois canais de televisão mas já massificados, foram os últimos a viver a situação de todos verem exactamente o mesmo; depois deles, cada um passou a ver o que quer, tal a quantidade da oferta de canais televisivos, internet, DVD etc. Com eles acaba esse sentimento de pertença a um tempo unificado; não haverá outra geração unida pelos desenhos animados, a ida para a escola a pé e em bandos, o jogo da bola na rua, a queda das bicicletas no meio do nada. Eles são, talvez, a última tribo geracional.
Nós, os que, a 19 de Setembro de 1981 assistimos pela televisão ao concerto de Simon e Garfunkel em Central Park, também fizemos parte duma (muito mais pequena) tribo, para quem alguns discos de vinil e alguns (poucos) concertos, ajudaram a cimentar a identidade e a pertença.
No dia 1 de Setembro de 2011, a velha tribo também teve o seu momento de nostalgia e celebrou-o no ciberespaço. Mas, claro, sem coro.

sexta-feira, março 11, 2011

Manifestação

Amanhã, 12 de Março de 2011, será, provavelmente, para muitos milhares (espero) de jovens portugueses, a primeira experiência de participação coletiva (se descontarmos as celebrações futebolísticas), num grande encontro, por um mesmo objectivo.
Esta manifestação, malgrado o seu cariz quase romântico, não está isenta de perigos.
Apesar de muitas pessoas acharem que os sindicatos atrapalham mais do que ajudam, eles, bem como os partidos e outras organizações, são fundamentais para o sucesso das manifestações. São eles que organizam as pessoas, as palavras de ordem, expulsam arruaceiros aproveitadores e ensinam a não responder às provocações que podem gerar confrontos. Amanhã os jovens estão, aparentemente, por sua conta e risco. É um bom começo, e dele se tirarão muitas e variadas lições.
Como disse Villaverde Cabral (lamento mas já não sei onde li isto), “é mais fácil lutar contra a ditadura do que contra a ditamole”, contudo, quem aqui escreveu no dia 9 de Fevereiro, “organizem-se” só pode desejar que tudo corra sem incidentes e que sejam muitos milhares.



Já o sabíamos, mas havia quem duvidasse - afinal, a geração à rasca, desenrasca-se.

segunda-feira, março 07, 2011

O 12 de Março inquieta muito, não é?

Tenho uma muito estranha relação com as crónicas de Vasco Pulido Valente no Público.
Eu, confesso, tenho medo dele. Quero dizer, VPV é tão pessimista, mas tão pessimista que eu, depois de o ler, penso que gostava de ser urso para hibernar.
Assim, começo por olhar de través para o título da crónica; se acho que me posso aventurar, fecho um olho e começo a ler só com o outro. Por vezes desisto, ou melhor, fujo, outras vezes acho que posso abrir o olho fechado e ler com mais comodidade. Foi o que aconteceu com a crónica de 6ª feira, dia 4 de Março.
Discordando profundamente, e com boa argumentação, da opinião de Mário Soares, de quem se confessa admirador, sobre a manifestação de jovens no dia 12 de Março, acabou por suscitar a minha curiosidade para ler o artigo de Mário Soares no DN.  A certa altura escreve:
“E agora pude, finalmente, ler um blogue que circula inspirado na canção - ou melhor, aproveitando-a - para convocar para o próximo dia 12 de Março uma manifestação de protesto, que querem tenha um milhão de participantes - imagine-se! - contra a política, os políticos, os partidos, sem excepção, o Parlamento, o Governo, a justiça, a economia, as finanças, etc.. Sem indicar qualquer alternativa relativamente ao que querem. Que objectivo move os autores deste blogue? E haverá outros? Querem alguma coisa mais do que o caos? Não se trata de anarquistas. Nem, muito menos ainda, de marxistas, nem sequer de islâmicos radicais. Serão movidos tão-só pelo desespero? Tratando-se de desempregados e de precários, pode-se talvez compreender. Mas não, seguramente, apoiar. Porque são perigosos, antidemocratas, niilistas. Parece que esperam que alguém lhes indique um caminho. Mas qual e quem? A isso respondo: não, muito obrigado! Já tivemos disso 48 longos anos e não queremos mais...
Pensei que eu é que não estava a ver bem o assunto e fui procurar o Protesto da "Geração à Rasca”. Encontrei, para além do Manifesto, isto:
“Reafirmamos a total independência do protesto face a qualquer estrutura ou movimento de cariz partidário, político ou ideológico.
Este é um protesto: Apartidário, aberto a todos os partidos e a quem não tem preferência partidária; Laico, aberto a todas as religiões e a quem não tem religião; e Pacífico!
Nunca foi enviada qualquer lista de reivindicações. O manifesto é o único documento associado ao protesto.
Não protestamos pela demissão de nenhum político ou governo.
Queremos reforçar a democracia participativa e nunca o seu contrário!

É uma fatalidade – envelhecemos e há coisas nas gerações mais novas que não percebemos mesmo, porque têm outra experiência de vida, outros códigos. Aceitar isso é sinal de lucidez, continuar a opinar sem ter percebido patavina e com a formatação mental de quem nasceu no princípio do século passado ainda activada, é senilidade.
O Dr. Mário Soares, na sua ligeireza, trocou tudo,  deixou-se enganar por uma coisa parasita que anda aí na internet a pedir um milhão na avenida, e que se limita a ser contra tudo e todos, confundindo-a com os propósitos da concentração de dia 12 de Março.
Acho que alguém devia ajudar o Dr. Mário Soares a acabar o seu “reinado” com dignidade, nem que fosse fazendo uma boa revisão do que ele escreve.

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Aí está

A 9 de Fevereiro escrevi que esta geração não é parva, escrevi também “organizem-se porque só o coletivo pode” e eles estão-se a organizar, talvez pela primeira vez nas suas vidas.


“São 14 horas e 4 minutos de sábado, 12 de Fevereiro, e 1377 pessoas já anunciaram que vão participar no protesto da geração à rasca, marcado para 12 de Março, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. No Facebook lê-se que o protesto vai ser "apartidário, laico e pacífico". A ideia é juntar todos os que não têm emprego, nem salários. Os que se arrastam de estágio em estágio e nunca receberam um subsídio de férias, sequer de desemprego porque nunca descontaram para isso. Os que adiam a vida na incerteza dos recibos verdes. Os que, mesmo superqualificados, resistem a emigrar. Os milhares de jovens que compõem a "geração sem remuneração" de que fala a música dos Deolinda, cuja letra surge transformada em canção de protesto, hino geracional, o que se lhe queira chamar, o importante é juntar muita gente no dia 12 de Março, para mostrar que chegou o momento de dizer basta.”
Ler toda a notícia aqui

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Que enganados que estão


Primeiro, nos anos 1990, foi a geração rasca, “decretada” por Vicente Jorge Silva no Público. Numa manifestação de estudantes, alguém se lembrou de baixar as calças contra a ministra da educação Manuela Ferreira Leite, e aí estava o título de que ainda hoje se fala, e que para tanta coisa serve. Logo no dia seguinte veio o Ivan Nunes, então uma jovem mas muito brilhante cabeça, também no Público, pôr os pontos nos ii e chamar-lhe, corretamente, geração à rasca.
Agora vêm os Deolinda com a geração parva, mas ainda não apareceu ninguém para os rebater. Estaremos a perder qualidades se uma geração deixar, sem resposta, que a muito fraquinha cançoneta chamada “Que Parva que Sou” se transforme na sua bandeira.
Aquilo não é um hino nem pode ser uma bandeira; aquilo é apenas um lamento conformista.
Ora, eu não acredito que esta geração “precária” seja parva, porque ela já provou o contrário, mas lá que é individualista, isso é.
 Estudados, licenciados, mestrados, doutorados, saberão certamente que ninguém dá nada a ninguém, que as sociedades têm crises, que às vezes é preciso encontrar os outros que estão na mesma situação e FAZER ALGUMA COISA, é preciso dizer basta, é preciso lutar.
Sempre foi assim, e sempre foi pelo conflito, e pelo temor dele, que os governos se mexeram, e que o homem aprendeu a defender-se do homem.
A direita que tem governado o ocidente (mesmo que se chame socialista ou trabalhista) desde a era da senhora Thatcher, privatizando, liberalizando os mercados, incentivando uma sociedade individualista de sucesso a qualquer preço, sub-repticiamente tem estado a fazer o trabalhinho de meter na cabeça destes jovens que a culpa é dos pais deles, instalados em empregos seguros e com direito a reforma. Parece que, para a nova geração ter emprego os pais deviam ser despedidos e sem reforma, para não serem depois acusados de estarem pendurados nas contribuições dos filhos. O que devemos nós fazer quando chegarmos aos 60? Harakiri?
Esta retórica é perigosa e mentirosa, e vem dos mesmos que decretaram o fim da luta de classes e da diferença entre direita e esquerda, tudo isso agora alegremente substituído por uma benévola luta de gerações.
O coletivo deixou de existir, só o “eu” conta mas, de facto, só o coletivo PODE.
Esta geração não é parva, não, e vai, mais cedo ou mais tarde, perceber essa verdade simples mas de todos os tempos
Organizem-se, ou o poder político e económico não se moverá um milímetro. Aprendam a reconhecer quem vos trama e agradeçam aos pais todo o conforto de que, mesmo assim, dispõem.
Felizmente há “casinha dos pais”, esses maus da fita que, na sua juventude, também tiveram que lutar por mais justiça social e melhores condições de vida, muitas vezes fugindo à frente da polícia ou batendo com os ossos na cadeia.
Não há almoços grátis, mesmo. Para ninguém.

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

A cada geração, sua guerra


No dia 4 de Fevereiro de 1961, faz hoje meio século, deu-se em Angola o primeiro incidente grave contra o colonizador, que nos iria conduzir a uma interminável guerra em várias frentes.
Quando o conflito estalou, o meu irmão era ainda um pré-adolescente. Contudo, a nossa mãe, com as suas eternas e maternas premonições, adivinhava que ele não ficaria de fora, contra a opinião do nosso pai que sempre afirmava que a guerra não podia durar tanto tempo. A premonição materna confirmou-se e, numa manhã de inverno de 1971, o meu irmão lá partiu para Angola num barco grande apinhado de jovens de 20 anos como ele.
A partida fez-se do Cais da Rocha e estava decidido que a família não iria, as despedidas estavam feitas. Mas eu fui.
 A tropa já estava embarcada, o regime não gostava das emoções do povo e evitava despedidas.
Entre o barco e o local onde nos era permitido estar havia uma enorme espécie de terra de ninguém, onde apenas circulavam alguns, poucos, militares, tornando impossível localizar quem quer que fosse na amurada. Consegui chegar à frente e perguntei a um desse militares se conhecia o meu irmão e, no caso afirmativo, pedi-lhe que lhe dissesse onde eu estava; como sinal, eu atirava a mala de mão ao ar repetidamente. Esta tentativa teve êxito, e o meu irmão começou também a, repetidamente, atirar a sua boina ao ar. Foi este o nosso código de despedida, não muito longe dos ancestrais sinais de fumo.
Por lá ficou 28 meses, depois de já ter cumprido em Portugal mais 24 meses de tropa. Em suma, foram quase 5 anos da sua juventude perdidos numa guerra injusta e sem saída. Esta foi a sorte duma geração inteira.
Quando hoje assisto à muito má situação que os jovens vivem, e se diz, com razão, que é uma geração asfixiada, penso na minha.
Hoje, dizem, não há futuro, e é verdade. Para milhares de jovens da minha geração, também não houve.
Hoje a família vai ajudando como pode. Na minha geração quase não havia família em que não faltasse um filho, um neto, um irmão, um namorado, um amigo, um marido.
Hoje há carências. Na minha juventude havia ausência, medo e carências.
Entre os dois tempos, venha o diabo e escolha que eu, apesar de tudo, já escolhi.

sábado, janeiro 29, 2011

Pais e filhos



A minha amiga e vizinha Alice, hoje de manhã, não estava com o seu belo sorriso nem com a sua habitual energia.
Olhou-me e disse:” fomos acordados pelo treinador de natação do Manuel às 8 da manhã, a perguntar se ele não ia comparecer. Nós já não controlamos as agendas dos nossos filhos. Ficámos todos a dormir até às 10 horas.”
Notava-se a vontade de aceitar a sua falha. Estava, ao menos, feliz por ter dormido um pouco mais? Não, havia um fundo de culpa na sua expressão resignada.
É esta a vertigem da vida dos pais do século XXI, com a necessidade que sentem de proporcionar aos filhos o maior número possível de aprendizagens e exploração do se potencial, daí resultando, no fim, um enorme cansaço para si próprios. Não há tempo para pausas. Cada hora tem o seu calendário, o seu estímulo, a sua tarefa. Cada hora terá que ser produtiva.
Há 20 anos era normal, quando os pais queriam castigar uma criança ou um jovem, mandá-lo para o quarto.
Muito mais importante que a temporária e punitiva marginalização, era suposto que o silêncio do quarto trouxesse alguma acalmia e, até, alguma ponderação sobre os seus actos, a justiça ou injustiça do castigo.
Talvez o jovem pegasse num livro e com ele partisse para outras realidades, que, com um pouco de sorte na escolha, o ajudassem a confortar-se consigo e os seus anseios, a esboçar objectivos e a alargar a visão do seu pequeno mundo doméstico ou escolar.
Tudo isso passou. De há muito os quartos de crianças e jovens estão apetrechados com computador e internet, televisão, aparelhagem de som, consolas de jogos, DVD etc.
Não mais o silêncio redentor quebrado apenas pelas falas das personagens do livro, não mais a imaginação à solta pela mão dum narrador de peripécias ou ambientes.
Como escreve de Michel Crépu num texto intitulado “Esse vício ainda impune”, publicado pela Gradiva,” a tribo chama por ele (o rapazinho) sem parar, na lição de judo ou de viola, no clube de teatro e até na biblioteca! A experiência da solidão, do olhar fixado na janela por cima dos telhados, a experiência dessa tão estranha e doce tristeza que se esconde no fundo de cada livro como uma luz feita de sombras, essa experiência fundamental que é, afinal, a iniciação ao mundo e à finitude, essa experiência é quase impossível, proibida, até.”
Este pequeno excerto, apesar de, em meu entender, ser profundamente verdadeiro, parece conter um lamento pela perda dos “gloriosos” tempos passados. Essa nostalgia não partilho, porque sempre entendi, e continuo a entender, que a forma de viver, com o passar dos anos, nunca é nem melhor nem pior, é apenas diferente.
Mas é tão diferente que, admito, tenho dificuldade em imaginar como serão os adultos agora crianças. Oxalá, no fim, os exauridos pais possam dizer para si mesmos – valeu a pena.
E aqui deixo a minha homenagem a todas as Alice deste país.