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quarta-feira, dezembro 14, 2011

Íntimos conflitos

Na cultura de esquerda, em que julgo incluir-me, entende-se que ninguém deve precisar de pedir esmola. Os que são menos capazes de tomar conta de si (que os há em todas as sociedades e não são meros preguiçosos) devem poder contar com estruturas de apoio criadas pelo Estado, isto é, todos nós, quer para as necessidades mais imediatas, quer para ajudar a restruturar a vida e a criar uma via autónoma para ela.

A esmola, sempre a entendi como a humilhação do pedinte e um acto de alívio da consciência do próprio doador.
Caridade, irmã consanguínea da desigualdade

Durante anos, num Portugal democrático que foi construindo o seu estado social, pude conviver pacificamente com estas convicções, até porque o confirmava observando vizinhos que, sendo bastante pobres, tinham o básico para uma subsistência digna recorrendo a algum trabalho (o possível), mas também a apoios que a sociedade lhes disponibilizava.

Pagando todos os impostos que me cabiam, foram anos felizes, sem conflitos entre a consciência e o seu mero alívio.
Os tempos mudaram e os pedintes são cada vez mais nas ruas das nossas cidades. Calculo que a situação irá ainda piorar, e aqui estou eu, de novo, com os meus dilemas esquerdistas.

Mais frequentemente do que julgaria possível, dou comigo a procurar uma moeda para dar a alguém. Como os escolho entre tantos? Não sei, é um mistério para mim; fico mais bem-disposta com a acção praticada? Nem por sombras.

E vêm-me à memória palavras de Ian McEwan em “A Criança no Tempo”:

Não dar implicava um certo afastamento de olhos do infortúnio privado.
A arte de mal governar consistia em cortar o cordão entre actuação pública e sentimento íntimo, o instinto do que estava certo.