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sexta-feira, janeiro 16, 2015

Sinais do tempo que passa


 
Ainda eu era bem menina quando surgiu na televisão o primeiro anúncio aos pensos higiénicos.

Meu pai, comunista e conservador − e não há nisto qualquer contradição, como é sabido − não gostou nada que lhe invadissem a sala com as intimidades da carne feminina.

E, no entanto, aquilo era apenas um pudico começo.

Já a alma, (chamemos-lhe assim para facilidade de entendimento), e se bem me lembro, precisou de mais tempo para despedir o pudor, abrir os seus mais remotos recantos ao público em geral e transformar-se, como o corpo, em objecto de marketing pessoal.

Porém, aconteceu; e falar hoje de intimidade ou recato de qualquer espécie é quase um anacronismo. Tudo é público e partilhável.

As redes sociais, entretanto massificadas, fornecem excelente palco a todos os “marketeiros”, dando os mais novos primazia ao marketing da carne, enquanto os mais maduros, por vontade ou, talvez, por necessidade, se dedicam, preferencialmente, ao da alma.

Escrever sobre pai, mãe, amantes, amores, desamores, paixões, gostos, depressões, êxtases, habilidades, capacidades e outras façanhas, rende.

Se for bem escrito, e se na escrita se perceber um intelecto cultivado, um gosto requintado e uma vida acima das possibilidades de quem lê, melhor.

Acontece-me, porém, e tenho que o reconhecer, que quando diariamente assisto ao descontraído striptease da alma, com nu integral e sem ponta de constrangimento, relembro, e, pior, experimento, o paterno incómodo que, há muitos anos e por culpa exclusiva do penso higiénico, tomou de assalto a paternal sala.
 
Sinais do tempo que passa.

Imagem: Jean-Luc Godard, 1960, "À bout de souffle"