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segunda-feira, novembro 24, 2014

Kit de sobrevivência






















 

Na sua crónica no Ípsilon de 21 de Novembro, António Guerreiro escreve a dado passo:

“A crónica Vale a pena ler livros novos? (de José Pacheco Pereira no Público) colocava, sem desvios, a questão de saber se algum ganho pode advir de gastarmos tempo a ler as novidades (…), um tempo precioso que nos faz falta para lermos os valores seguros do património literário do passado. A questão é muito pertinente. Podemos tentar responder-lhe desta maneira: se queremos compreender a nossa época, temos de correr o risco de sermos intoxicados por ela.”

Eu continuo a querer compreender mas, por estes dias, estou tão intoxicada que, se não “abrir as portas e janelas” corro risco de me ficar na intoxicação.

Ontem resolvi, portanto, ir ao Centro de Arte Moderna da Gulbenkian ver a exposição “Animalia e Natureza na Colecção do CAM” . Encontrei arte contemporânea (sobretudo a partir da década de 1960) a que se adere facilmente, e um grande número de trabalhos que nos lavam os olhos e a alma; diante deles, diremos simplesmente –  bonito, muito bonito.
E isso não é coisa pouca.

Aproveito e informo, com agrado, que a exposição dura até Maio de 2015, e ao domingo de manhã não se paga.
É que os tempos de grande intoxicação parece que estão para durar, e todos precisaremos de um kit de sobrevivência.

Nota: na imagem, um pássaro bem vivaço de Ana Marchand que integra esta exposição.

quarta-feira, março 26, 2014

Que é que vamos fazer?




Lá venho eu outra vez com o António Guerreiro, mas o facto é que ele sempre tem alguma coisa para me ensinar.

Desta vez ensinou-me o que é a síndrome burn-out.

Citando-o, direi que “é uma doença da civilização exclusivamente ligada aos aspectos que caracterizam a organização contemporânea do trabalho”, e que apresenta os seguintes sintomas: fadiga até ao limite do esgotamento, ansiedade, incapacidade de controlar o stress, despersonalização e impotência.”

Continuando a citar o artigo de AG:

“Em média, o tempo de trabalho é hoje superior ao que vigorava no século XIX” e o progresso tecnológico em vez de libertar o homem "forneceu utensílios que acabaram por aumentar o tempo de trabalho com vista ao aumento da produção e do lucro."

Os actuais métodos de gestão “submetem, controlam, pressionam e induzem a uma competição que quebra solidariedades e cria delatores”.
“Não há exterior ao tempo de trabalho” e não há classe profissional que não sofra de burn-out, ou, em linguagem de rua, já ninguém consegue “ter uma vida”, digo eu.

A juntar a este mal global, o governo português, nos últimos três anos, legislou arduamente para aumentar o horário de trabalho, descer salários, aumentar as rendas de casa, aumentar o IMI, cortar nos apoios sociais e levar a cabo um enorme aumento de impostos.

Desregulamentar o trabalho, incitar à emigração e tornar as nossas vidas cada vez mais precárias foi uma aposta ganha pelo governo.
Assim sendo, não espanta que os dados sobre a natalidade em Portugal sejam assustadores.

Joaquim Azevedo, docente não sei do quê, disse que, a continuarmos assim, em breve estaremos nos níveis populacionais da idade média, o que torna o país inviável.

Aí o governo interroga-se: Que é que vamos fazer?

A mim apetece-me logo responder como o Pedro Abrunhosa, mas não o faço.
Primeiro, porque sou uma senhora, e segundo porque fiquei muitíssimo descansada quando li no jornal ionline:

“O docente (Joaquim Azevedo) foi apresentado recentemente pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, como coordenador de uma equipa de trabalho sobre questões de natalidade que irá trabalhar o tema e apresentar propostas ao Governo.”

Ah, pronto, com mais um grupo de estudo isto resolve-se. Alguma dúvida?

PS: Ó mãe, não abra o link do Abrunhosa

segunda-feira, janeiro 13, 2014

Na “Estação Meteorológica”


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sinto sempre um misto de euforia e gratidão quando encontro alguém que consegue verbalizar o que apenas pressenti nas catacumbas de mim.

“Pela morte de Eusébio, as televisões subiram a um desses picos já conhecidos e mostraram, mais uma vez, a violência que são capazes de exercer sobre a nossa vergonha. A vergonha, cuja relação com a culpa foi estabelecida pela psicanálise freudiana, é o índice de uma intolerável proximidade de alguém, que é sempre outro, por mais familiar que seja, em relação à intimidade do Eu: é um mal-estar perante o sentimento do Eu mais íntimo. Sentimos vergonha por ouvir os relatos, os comentários e as reportagens dos jornalistas porque há algo em nós que se sente ameaçado, denudado, com tais palavras e atitudes.”

António Guerreiro, Estação Meteorológica, Ípsilon, 10 Janeiro 2014

Imagem: pintura de Anselm Kiefer, pintor alemão nascido em 1945, cujas pinturas, não raro, também provocam mal-estar, mas de sinal contrário.

segunda-feira, novembro 04, 2013

O que eu não saberia dizer










…o escritor Claudio Magris diz que a Itália – esse laboratório de experiências políticas e sociais – assistiu na era Berlusconi ao triunfo de uma lumpen-burguesia “que tanto no plano intelectual como moral perdeu o sentido da decência e do respeito”. Esta categoria de lumpen-burguesia não é uma invenção de Magris, mas ele dá-lhe um novo sentido: é uma classe que vive a euforia de uma nova inocência, porque a vergonha, o mais íntimo sentimento do EU, é um bem que ela não possui. E por isso é incapaz de experimentar qualquer sensação de embaraço.
António Guerreiro, Público, 1/11/2013

Talvez eu ainda não esteja aí. Porque fico muito embaraçada.

segunda-feira, abril 22, 2013

Contra os artistas intelectuais, viva a Joana e mais o Zé Luís

Na sua crónica no Ípsilon de 19 de Abril 2013, António Guerreiro pergunta no título, e a propósito de José Luís Peixoto, O que é um escritor?

Não há link para este texto, mas a blogger Joana Lopes deu-se ao trabalho de o transcrever aqui e vale a pena ler.

Tudo o que o autor escreve sobre José Luís Peixoto, entendo eu que é    aplicável à escultora Joana Vasconcelos.

Resumindo algumas ideias expostas por António Guerreiro, pode dizer-se que dantes o reconhecimento do escritor (ou artista) fazia-se dentro da instituição literária (ou artística), isto é, o critério primeiro da consagração era o reconhecimento do escritor (ou artista) pelos seus pares.

Hoje, pelo contrário, a consagração destes artistas “faz-se na rua, na esfera pública mediática”, e “o monopólio da autoridade para dizer quem é escritor (ou artista, acrescento eu) e quem não é, já não está do lado daquilo a que se chamou instituição literária, com as suas diversas instâncias; está do lado de quem vende…”

Apesar de entender esta assinalável alteração de paradigma, pessoalmente acredito que para a história das artes ficarão apenas aqueles que forem “reconhecidos pelos seus pares”, e que o mercado (que, para funcionar bem, precisa de contar e anunciar quantas camionetas de gente o senhor Covões consegue levar a Queluz para ver a exposição de Joana Vasconcelos, ou quantas revistas Visão se vão vender enquanto o Peixoto estraçalha os Lusíadas) é apenas isso – o mercado, que nada tem que ver com literatura ou arte.

É nisso que acredito, mas também entendo as mudanças e o ar do tempo.

Só não entendo por que razão algumas pessoas se encarniçam tanto a adjectivar de cagança intelectual, ressabiados, “bem pensantes”, invejosos, ciumentos, elitistas, presunçosos, vaidosos, manientos da superioridade do gosto etc., aqueles que se limitam a achar que lá por o grande público amar apaixonadamente Peixotos e Vasconcelos − direito que obviamente lhe assiste, ora essa − o que eles fazem não deixa de ser uma merda.

Que será que tanto incomoda essas pessoas?

 

 

terça-feira, janeiro 29, 2013

De intelectual a bem-pensante


Tempos houve em que os intelectuais eram interventivos em termos políticos e sociais, sendo não apenas respeitados mas considerados elementos fundamentais duma sociedade livre, progressiva e culta.

Nas últimas décadas, o paradigma mudou, e os intelectuais foram-se, aos poucos, resguardando nos seus gabinetes de universidade, a ponto de quase não darmos por eles no nosso quotidiano.

Simultaneamente, a cultura rasca da mediocridade foi invadindo toda a sociedade, qual selva tropical depois do aguaceiro.

Chegámos então ao ponto de os intelectuais passarem a ser apelidados de “bem-pensantes”, com o todo o desdém invejoso e alarve que o termo comporta.

Do que tenho conseguido perceber, os “bem-pensantes” são um grupo altamente minoritário, que se dedica sobretudo às diversas áreas culturais; sobre elas aprofundaram estudos e reflexões, capazes de lhes permitirem um olhar crítico que lhes advém da capacidade de interligarem conhecimentos.

É natural que estas pessoas tenham gostos diferentes das chamadas “massas”, mas é prudente que não os expressem, sob pena de verem agrafado no seu traseiro o rótulo de “bem-pensante”, ou seja, extravagante, convencido, snobe e, em última análise, perigoso.

É assim que é visto o intelectual no terceiro milénio; não admira que fuja – a sanha das massas embrutecidas assusta mesmo.

Felizmente para eles, as massas andam entretidas a colocar nos tops de vendas todas as possíveis sombras da Grey bem como o vibrante “Basta” de Camilo Lourenço; por isso nem repararam na notícia - “Grupo de intelectuais pede união para evitar morte da Europa”, entre os quais se inclui o escritor português António Lobo Antunes, e poucos dão pela falta da coluna de António Guerreiro no Expresso.

Afinal, são apenas “bem-pensantes”. Pfff.

 

quinta-feira, novembro 29, 2012

O pecado do gasto improdutivo


O que António Guerreiro escreve no Atual do Expresso é, para mim, de leitura obrigatória, e com grande prazer.

No passado sábado, escreveu sobre a moderna e perigosa “mania” de se dizer o preço de tudo, o que conduz a que se considere ” intolerável o que faz parte de uma economia não produtiva”. Referindo a teoria de Mauss, e simplificando eu o que ele escreve, assinala que não é possível uma sociedade sem a “festa”, mas o discurso político atual exclui-a liminarmente.

Deve ser esse facto o grande responsável pela mesquinhez e miopia que tomou de assalto os portugueses, levando-os a tudo considerarem má despesa pública.

Fico boquiaberta com o interesse que as pessoas têm pelo cardápio do restaurante da Assembleia da República, pelo café que as Câmaras compram e pela rápida quantificação dos gastos com as iluminações de Natal, por exemplo, tudo envolto num diáfano manto de censura moralista.

Estou cansada do desastre político bordado de mesquinhez cívica, e acredito que “não é possível uma sociedade sem o elemento heterogéneo, o gasto improdutivo, que transgride a homogeneidade da lógica da produção”, segundo a teoria do dom de Mauss, e segundo António Guerreiro.

Por mim, mesmo que ela não caiba no “elemento heterogéneo”, sinto absoluta saudade da alegria tout court.

 

segunda-feira, julho 16, 2012

Os professores


Confesso que tenho por hábito não perder nada do que António Guerreiro escreve no Atual do Expresso e, que me lembre, as minhas expectativas nunca saíram defraudadas.

Na última edição do jornal, escreve um longo artigo em que analisa os exames do 12º ano, a que deu o título “Os exames e a comédia do rigor”.

É um texto que merece ser lido por todos, os que estão no sistema de ensino e os que estão de fora mas que gostam de opinar sobre o que não conhecem.

Como declaração de interesses, esclareço que nunca fui professora, mas a maior parte dos meus amigos são-no, ou foram.

Também nunca esqueço os professores que marcaram positivamente a minha vida, e foi com grande mágoa que vi Maria de Lourdes Rodrigues começar a destruir a dignidade de toda uma classe fundamental para o futuro do país, transformando os professores em burocratas stressados e indisponíveis para a cultura e investigação na sua área de trabalho.

Para entender o que vale hoje um professor para o Ministério da Educação, atrevo-me a publicar um (longo) excerto do artigo de António Guerreiro.

Lamento profundamente que tenhamos chegado aqui, mas o que vai escrito é tão exacto quanto indigno:

 “Chegados a este ponto, seria altura de entrar num longo capítulo de descrição do que tem acontecido à mais desventurada e vilipendiada classe profissional: a dos professores. Resumindo bastante uma longa história, podemos dizer que os professores estão desde há bastante tempo sujeitos a estas duas regras que não passam de alíneas nos tratados de domesticação: fazer com que a sua legitimidade não tenha uma fonte mais elevada - por exemplo, o saber, algo que não move nem comove a escola atual - do que a dos próprios gestores do ministério; fazer com que eles não acedam a nenhuma espécie de autonomia. Deste modo, se outrora o tempo de trabalho do professor se dividia entre o tempo controlado e o tempo autónomo, hoje todo o seu tempo de trabalho é controlado (à hora, aliás). A única autoridade que conta hoje na escola é de ordem administrativa. Para perceber isto em toda a sua dimensão (que é a dimensão grotesca da caricatura), basta ler as "normas relativas aos professores vigilantes".

Aí, em quatro páginas de normas, algumas delas insultuosas, fabrica-se o professor como um suspeito, um indivíduo propenso ao crime que é preciso vigiar (ficando assim no lugar do vigilante vigiado), de tal modo que justifica o uso de uma severa linguagem normativa, cheia de proibições (e até incitando, num determinado caso, a que seja policiado), onde é fácil descobrir um paradigma criminológico.

Depois de identificarmos a parte mais visível da máquina implacável que, em todos os domínios, destituiu a autonomia dos professores e os fez entrar numa mecânica da subordinação, poderíamos pensar que lhes resta ainda o poder autónomo que advém da tarefa da correção dos exames.

Nada mais falso. Os critérios de correção, lavrados em verdadeiros tratados (os critérios de correção têm mais páginas do que o enunciado do exame), fundam-se numa ciência para a qual não temas nome parque trata de hipóteses e de "cenários de resposta". Eles preveem tudo - todos os desvios, todas as incorreções, todas as imperfeições e incompletudes das respostas dos alunos - e para tudo o que preveem têm uma quantificação.

Se, ainda assim, o professor, presumindo-se um avaliador competente, quiser operar um pequeno desvio e introduzir o seu critério de quantificação, lago saberá que a grelha Excel onde vai lançando a pontuação das respostas só aceita os números previstos pela ciência que projeta "cenários de resposta".

No fim de todos os mecanismos de vigilância por que passou, há uma grelha Excel que lhe diz que ele não é nada e nunca será nada.” 

António Guerreiro, Atual, 14/07/2012


quarta-feira, novembro 23, 2011

A casa de correcção

Amanhã é dia de Greve Geral. Geral não será certamente. É a greve dos trabalhadores que, de alguma forma, trabalham para o Estado.
Os privados não farão greve, o comércio não fechará, os trabalhadores por conta própria… tomara que tenham trabalho.

Aos poucos, mas ao longo dos anos, o poder tem criado as condições para não haver condições de fazer greve, por muito descontentes que estejamos. O trabalho precário, os recibos verdes, o trabalho a prazo, os contratos individuais, são poderosas ferramentas para desincentivar qualquer tipo de manifestação grevista.

É verdade que, amanhã, 15% dos portugueses impedirão os outros 85% de trabalhar, mas a greve, em abstracto, é ainda um dos direitos que nos liga à democracia tal como a conhecemos até aqui, e que pode estar a mudar.

Num excelente artigo do Atual de 19 de Novembro, com o título O Rapto da Europa, António Guerreio escreve sobre dois livros – de Hans Magnus Enzensberger e Jurgen Habermas.
Estes autores analisam a forma como a Europa foi raptada por “funcionários esclarecidos” que em Bruxelas tudo regulamentam, desde a coloração dos alhos franceses e a curva máxima do pepino, até às lâmpadas ecológicas de uso doméstico cujo regulamento ocupa 14 páginas.

Os livros abordam aquilo a que chamam a Europa pós-democrática. Já não se trata de défice democrático, que pressupõe um desvio ou uma insuficiência como analisa António Guerreio, mas da “entrada num outro modelo que ainda não sabemos designar senão como inflexão, historicamente determinada, da democracia”.
Nesse modelo, segundo Enzensberger, “ não se está a construir uma nova prisão para os povos, mas uma casa de correcção”.

Ora, se nessa casa de correcção os” internados” se atirarem uns aos outros, discutindo acaloradamente se é ou não “correcto” fazer greve, por exemplo, quem sairá a ganhar é o detentor do poder, que assegurará a ordem, reforçará a repressão hard e soft e, no fim, terá alcançado os seus objectivos.

Eu acredito que estamos a iniciar o caminho pós-democrático, e que seria bom que reflectíssemos sobre o papel que cabe a cada um de nós nesse novo e desconhecido quadro organizacional.