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segunda-feira, outubro 20, 2014

Saída da caixa


















 
De vez em quando, é isto: saltas da caixa dos monos que nunca me decido a deitar fora.

Vagueias por aí uns dias e, no fim, antes de voltares para a caixa, a pergunta é sempre a mesma: o que me faltou conhecer de ti? A resposta também não varia: praticamente, tudo.

Foi uma amizade improvável, a nossa, tinha tudo para não chegar a ser e, contudo, durou anos.

Neles, estudámos juntas incontáveis horas, apresentámo-nos poemas de juventude, trocámos confidências de amores falhados e sucedidos, música, livros, frustrações e sucessos da juventude, sonhos e projectos, às vezes as lágrimas, às vezes as gargalhadas.

As tuas gargalhadas, tal como as recordo, nunca eram de pura alegria nem tinham a frescura límpida dos vinte anos. Vinham quase sempre acompanhadas de uma espécie de nostalgia, ou sarcasmo, ou dum olhar ora húmido ora embaraçado, como se tivesses nascido velha e carregasses o conhecimento duma longa vida já passada, porém tristonha ou mal cumprida.

Eras católica.
Se me perguntassem, diria que eras uma católica progressista quando eu era comunista. A política e a religião, porém, nunca nos aproximaram ou afastaram. Como se entre nós houvesse um acordo tácito, ou a percepção clara de que a discussão seria inútil, pois nem eu te faria comunista nem tu me farias católica. Éramos ambas “do contra”. E isso bastava.

A estranheza (mistério?) que, tantos anos depois, reconheço em ti, adensa-se quando lembro que falavas dum grande amor que, contudo, nunca conheci, nem tampouco vi – João, de sua graça.

Insinuavas clandestinidade no namoro, coisa de famílias, dizias, (Montecchios e Capuletos?) mas nunca houve o pormenor dum encontro, do onde ou do como, nunca um dia de inescapável felicidade no teu corpo, nunca a confidência de um beijo que, de tão urgente, se expôs a céu aberto ou, ao contrário, se consumou sôfrego e encapuçado num qualquer esconso da cidade triste.

Tinhas também, e até as nomeavas, muitas outras amigas, que eu também nunca conheci; em compensação, conheci quase toda a tua família.

Atacada de muitos achaques físicos, reais ou imaginários, ias ao médico num só ano mais vezes do que eu em vinte, mas, no meio de tudo, sempre te reconheci a força dos resistentes e uma disponibilidade amável para “o outro”.

Um dia falhaste um encontro comigo.
Estava tudo combinado, mas tu não vieste, e, curiosamente, nesse dia ninguém sabia de ti, ou sequer tinha conhecimento de que havíamos marcado um encontro. Nunca te justificaste.

Nasceu, nesse mesmo dia, o silêncio amargo e ressentido que viveu no meio de nós por mais de uma década.

Voltei a procurar-te, ainda no tempo em que se escreviam cartas e se colavam selos. E encontrei-te.
Também por carta, a minha amiga católica e “certinha” mentiu muito sobre números de telefone alterados e outras burocracias, mas parecia animada – sim, sim, sim, eu teria que ir à tua casa nova, dizias, onde contarias as muitas novidades que tinhas para contar.
Estavas feliz por eu te ter procurado, ó caramba, se estavas!

Quando chegou a hora de marcar o encontro… não mais te encontrei.
Nesse dia, não sei se alguém saberia onde estavas. Sei que não perguntei.
E agora, volta para dentro da caixa, anda!

 

segunda-feira, julho 25, 2011

Trilhos (ou o amor aos livros)

No meu caso, não há maneira mais rápida de fazer amigos que encontrar alguém que ame os livros; será assunto encerrado se amarmos os mesmos livros.
Começamos por os referir, depois trocamo-los, e por fim comentamo-los com aquele sorriso largo e cúmplice de puro deleite partilhado.
Recentemente, uma amiga assim ofereceu-me um livro que já me tinha emprestado há uns bons anos. Não foi um livro igual àquele, não, foi o mesmo livro, aquele cujas páginas eu já tinha percorrido bem envolvida na escrita, na aventura, na “moral da história”.
Pego-lhe, manuseio-o já bem usado, cheiro-o, acho que o acaricio até, olho de novo as palavras manuscritas de fresco e, nesse exacto momento, sou feliz.
Tem por título Trilhos – No deserto australiano com quatro camelos e um cão.
A autora é Robyn Davidson, foi escrito em 1980 e publicado em Portugal pela Quetzal em 1999.
Sobre ele Doris Lessing escreveu:
“Um livro forte e estimulante escrito por uma jovem e original escritora (…). Este livro figurará entre os melhores livros de exploração e viagem e, como eles, é um testemunho de auto-descoberta e auto-avaliação”.
É isso mesmo.
Talvez ainda se encontre por aí, não é certo, mas agora eu tenho-o.
A Paula ofereceu-mo.