terça-feira, março 27, 2012

Para quem ontem desenhou uma linha

Para D.
“Provavelmente lembras-te da famosa afirmação do início de Anna Karénina, na qual Tolstói, envergando os trajes de uma serena divindade aldeã e debruçando-se sobre o nada cheio de bondosa tolerância e calma benevolência, declara lá do alto que todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, ao passo que as famílias infelizes o são cada uma à sua maneira. Com todo o respeito devido a Tolstói, quero dizer-te que é o contrário que é verdade: as pessoas infelizes estão profundamente mergulhadas num sofrimento de convenção, vivendo uma rotina estéril de acordo com um de cinco ou seis clichés de desgraça já gastos. Ao passo que a felicidade é uma porcelana rara e preciosa, uma espécie de jarrão chinês, e as poucas pessoas que a conquistam desenham-na linha a linha, moldando-a ao longo dos anos, cada uma delas à sua imagem e semelhança, cada uma segundo o seu caráter, de tal modo que não há duas felicidades iguais.”

Amos Oz
A Caixa Negra
(prémio femina)
Q. Quixote, 2ª edição, 2012


Nota: na imagem, Desenho habitado de Helena Almeida, roubado aqui

2 comentários:

  1. O que estará mais perto da realidade?!
    A perpectiva optimista ou a pessimista?!

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  2. Não podia concordar mais.

    Beijos,

    D.

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